quinta-feira, 8 de março de 2012

Ser mulher num mundo cissexista

O post da vez traz uma discussão muito interessante sobre a questão de gênero.
O que é ser uma mulher num mundo cissexista?
Parti de um debate levantado na comunidade “discussões de gênero” do FB. Por ser atravessada pela linguagem, além de se tratar de um tema-tabu e de muita ignorância, resolvi transformar tudo numa blogagem, com leves adaptações. A participação coletiva de todës ës meninës e o dialógo profícuo entre todës garante o êxito da reflexão. Para aqueles que desconhecem termos como cisgênero e transgênero, eis um mar de descobertas. Para aqueles que já conhecem, some-se o intercâmbio de informações.
 
MOTE

Primeiro, ninguém tá atacando o fato da pessoa ser travesti. Sabe-se bem que existem travestis com MUITO mais características femininas do que muita mulher por aí. Desculpa MESMO se soar ofensivo, não é a intenção, mas travesti NA MINHA OPINIÃO não é mulher, travesti é um homem que gosta de se vestir como mulher. Um homem só deixa de ser homem quando tira o pênis, e até que alguém mude as leis da biologia eu vou pensar assim (talvez, ainda que mudem, eu vou continuar pensando assim). Na mesma lógica, um gay pra mim é homem, a única diferença é que ele gosta de outros homens.
Depois, eu gosto de mulheres, não gosto de homem e tenho um tremendo nojo de pintos alheios. Se um travesti com muitos traços femininos me "engana" eu ia ficar sim no lixo, porque eu não ia gostar nada de colocar minha mão no pinto de outro cara. Se eu sou hétero, as pessoas têm que aceitar e respeitar isso, assim como eu devo respeitar a orientação sexual dos outros. Se eu penso que pênis define um homem e vagina define uma mulher, o que tá tão errado nisso? Se pra vc é relativo, pra mim não é, será que não dá pra gente aceitar isso como algo não ofensivo?

***

Caroline Jamhour: Mas... na boa, eu não achei o comentário assim tão ofensivo.
Quer dizer - eu não sei bem se travestis se enxergam como mulheres. Sim? Porque crossdressers, tipo o Laerte, não necessariamente se veem como mulheres, e eu não sei muito bem se tem uma grande diferença entre travesti e crossdresser.
E ao menos esse cara aceita que gays sejam homens - não é do tipo que diz que "gay não é homem", "não sou gay, sou homem!" e essas merdas assim.
E também não vi grandes problemas em ele não gostar de pinto, mesmo que x donx do pinto seja uma mulher.
Só o final do texto dele mostrou uma inflexibilidade no sentido de se dialogar sobre questões de gênero - eu não acho que questões de gênero tenham que ser discutidas em termos como "É TUDO RELATIVO E PRONTO, SE VC DEFINE HOMEM COMO PÊNIS E MULHER COMO VAGINA, VC É UM RETRÓGRADO CISSEXISTA FILHODAPUTA". Acho que deve ser gerada reflexão pra pessoa entender PORQUE um pênis não define um homem ou vagina define mulher.

Julia Kaffka: Poxa, perto do que muita gente fala, achei esse discurso até razoável. Considerando que a ignorância sobre a diferença entre identidade e orientação sexual é quase plena, acho que o interlocutor já está bem mais evoluído que MUITA gente. Lógico que a criatura ainda precisa conhecer mais do assunto e não ser tão inflexível, mas até aí quem não precisa, né?
Ow, perto de familiar meu que já falou pra mim que "homem nunca vai ser mulher mesmo que tomar todos os hormônios e operações possíveis, porque a dinâmica e as experiências de vida são totalmente diferentes e vai ser pra sempre uma caricatura grosseira", a pessoa ali teve um discurso até sensacional rs.
E também, eu não sei, mas como a Caroline Jamhour falou, também nunca entendi a diferença entre travesti e crossdresser, imaginava que fosse mais uma tradução da outra, até chegar em uma discussão que falava de transgêneres e travestis e teve gente falando de travestis como o terceiro gênero (que para mim era o transgênere que não optava pelos gêneros feminino ou masculino). E cada vez que eu vejo, esse tipo de definição tanto para transgênere como travesti, varia de pessoa para pessoa, não pareceu muito universalizado (mas lógico que posso estar errada)

Hannah Duarte: Crossdresser são homens que sentem prazer de se vestir de mulher, na maioria das vezes, dentro da sua própria casa. E muitas vezes eles continuam se sentindo homem mesmo travestidos (e muuuuuuitos deles são héteros).

Julia Kaffka: e travestis, no caso, seriam pessoas nascidas homens mas com a identidade sexual de mulher?

Hannah Duarte: Boa pergunta, isso eu não sei, porque eu nunca entendi direito a diferença entre travestis e trans não operadas. Mas acredito que sim, viu Júlia. O "terceiro gênero" até onde eu sei, são os queers, que não se identificam nem como mulher nem como homem.

Caroline Jamhour: ‎"e travestis, no caso, seriam pessoas nascidas homens mas com a identidade sexual de mulher?"
Que eu saiba, isso é transgênero mesmo.
Travesti vem de "travestido" - é basicamente a mesma coisa que crossdresser, mas com uma identificação feminina além do modo de vestir. Mas aí não sei se travestis são trangênero (tipo, trans não operada e tal) ou se são de boa com a genitália masculina. Só faz sentido chamá-las de "terceiro gênero" se elas não têm interesse em mudar a genitália, e mesmo assim se identificam com o gênero feminino - eu acho - porque senão, seriam transgêneros MtF normal, mas não operadas, e tal.
Eu acho. Hahaha
‎"Ow, perto de familiar meu que já falou pra mim que "homem nunca vai ser mulher mesmo que tomar todos os hormônios e operações possíveis, porque a dinâmica e as experiências de vida são totalmente diferentes e vai ser pra sempre uma caricatura grosseira"
Então... eu tbm questiono isso. Eu não sei definir, lógico, o que seria homem e mulher - mas alguém que nasceu homem, sempre foi tratado como homem na sociedade, teve experiências ligadas ao papel masculino, etc, aí se dá conta de que é transgênero e "vira mulher", faz operação, toma hormônios, assume totalmente o papel feminino. Mas desde o início sua experiência não foi "de mulher" na sociedade e na cultura. Qual a influência que isso tem?
E se a pessoa, desde o início, não viveu "na pele de uma mulher", recebendo da sociedade o tratamento que exclusivamente mulheres recebem desde que nascem, como a pessoa realmente sabe "o que é ser mulher"? É uma identificação em 3a pessoa, baseado no que se observa, não? Como que rola isso? Ela se identifica com o gênero feminino... mas o que o define? Isso varia de cultura pra cultura, né? Isso me confunde bastante.

Bia: Eu sou travesti e acho que posso dizer certas coisas. Não acho interessante pensar que uma travesti tenha recebido as mesmas experiências que um homem convencional, mesmo que de início tenha sido ''criada" como ''menino''. E essa criação não é interpretada da mesma forma que um homem cis, vejo mais como uma forma de opressão, e somos ainda mais agredidas a todo momento quando exibimos características associadas ao feminino, imagino de como é difícil na infância onde mal temos argumentos e conhecimento para nos defender, em situações que vocês nem imaginam.

Julia Kaffka: ‎Caroline, acho um questionamento válido, mas não do jeito que havia sido feito, na situação específica fora completamente preconceituoso e repressor. Eu não me vejo no direito de determinar a validade da identidade sexual de outra pessoa (nem disse que você o faz, estou mesmo falando do familiar que me falou isso). Realmente, as experiências não são as mesmas, a criação não é a mesma e o tratamento não é o mesmo (quanto a biologia, não posso falar), mas se as reflexões (internas principalmente) se assemelham ao outro sexo (aliás, não sei se devo usar sexo ou gênero nesse caso, acabei de ver que existe diferença entre os dois termos), acho válido sim, permitir a essa pessoa que assuma tal identidade e tenha a experiência de ser reconhecida pela sua identidade, para realmente ver qual é.
A ideia de homem e a ideia de mulher são muito culturais, portanto muito relativas, e cada vez que converso, vejo que os conceitos atuais de homem e mulher (mesmo os mais abstratos) vão mudar totalmente, e até ser abandonados.
Mas então - "se as reflexões internas se assemelham ao outro sexo" - mas como determinar o que é o "outro sexo" pra saber se vc se identifica com ele ou não? Por que existe uma identificação com o "sexo oposto" ou o "gênero oposto" se na verdade é tudo construção social? E a troca de genitália? O que faz um trans não se identificar com a própria genitália, e sim com a do sexo oposto? É o que a genitália representa, simboliza na sociedade?

Caroline Jamhour: Porque se uma vagina não determina a mulher nem o gênero feminino - e o pênis não determina o homem nem o gênero masculino - então COM O QUE o trans se identifica?
‎Bia, eu pensei isso - que mesmo que a travesti tenha sido criada como menino, ela se sentiria deslocada nessa criação e a experiência seria diferente de um cis.
Mas ei... eu tava lendo aqui o pdf que colaram:

"Travesti:
Pessoa que nasce do sexo masculino ou feminino, mas que tem
sua identidade de gênero oposta ao seu sexo biológico, assumindo
papéis de gênero diferentes daquele imposto pela sociedade.
Muitas travestis modificam seus corpos por meio de hormonioterapias,
aplicações de silicone e/ou cirurgias plásticas, porém,
vale ressaltar que isso não é regra para todas (definição adotada
pela Conferência Nacional LGBT em 2008. Diferentemente das
transexuais, as travestis não desejam realizar a cirurgia de redesignação sexual (mudança de órgão genital)".

Como assim, pessoa que nasce do sexo masculino ou feminino mas se identifica com o gênero oposto? Tem travesti que nasce mulher e se identifica com o gênero masculino, é isso? Então travestis são transgênero, mas não transexuais?

Bia: Acho válidas esses questionamentos da Caroline Jamhour sobre o que é gênero, isso me faz pensar o que é convencional/artificial/social acerca dos papéis/comportamentos/sentimento de congruência ou desconforto com o sexo anatômico ou identidade contra algo que de fato seria a essência do indivíduo; espero estar sendo cada vez mais ''eu'', sendo isso coerente ou não com os papeis tradicionais impostos, mas o mais autêntica comigo mesma.
Pelas leituras que eu vejo por aí, transgêneros seria uma categoria abrangente onde estariam xs travestis (se identificam com o papel, comportamento etc mas não fazem a cirurgia) x transexuais (que querem a cirurgia). Mas curiosamente em algumas leituras não existiriam ''travestis'' de "mulher para homem'' mas acho que podem existir sim, acredito que não sejam tão vistos socialmente.

Hannah Duarte: Nem sabia que existia diferença entre transexual e transgênero.

Bia: Pra quem se interessar mais nessa coisa dicotomia entre travesti e transexual, recomendo  o texto do meu amigo Jiquilin 
Os comentários da Aline Freitas são ótimos.

Hannah Duarte: Não gosto dessa expressão "travesti", me soa falso, como se ser travesti fosse brincadeira de carnaval.

Bia: Pois é, vejo que existe uma carga bem pejorativa com ''travesti'', mas espero que seja possível algo como ressignificar a palavra com algo revolucionário como "eu vou me vestir como eu quero"; vi uma foto que compartilhei no fb que achei bem legal: "todos nascem nu, o resto é tudo drag", ou seja, todas as pessoas imitam o que seria algo feminino ou masculino, não apenxs xs travestis, só que agora eu escolho o que vestir, não vai ser imposição.

Aline Freitas: As palavras são maleáveis, passam por mutações e mutações. As pessoas possuem percepções distintas muitas vezes com as mesmas palavras, daí uma das razões de porque qualquer definição seja arbitrária.Uma das possíveis origens da palavra travesti está no médico alemão Magnus Hirshfield (transvestism). Apesar de fazer referência ao vestuário, Hirshfield entendia que o mais importante era o fato de tais pessoas perceberem a si como do "sexo oposto".

Vivian: Como eu já falei sobre isso diversas vezes, vamos resumir e dizer que para todos os efeitos práticos, travesti é a mesma coisa que transexual. O termo travesti tem nuances próprias, mas a pessoa travesti e a pessoa transexual são a mesma coisa, mesmo tipo de identidade.
Travesti ser "transexual que não quer redesignação sexual" é algo super debatível e simplista, principalmente, pois o conceito de travesti só existe na América Latina. Lá fora, operação ou não, é transexual.
Basicamente, travesti é um termo exclusivo latino (além de ser uma "casta" social exclusiva da nossa cultura) que descreve, mais ou menos, a mesma identidade que o termo transexual descreve lá fora.
Como o termo e o conceito de travesti é algo que se desenvolveu paralelamente aos conceitos de transexualidade e transgeneridade, algumas coisas podem não encaixar perfeitamente. Como, por exemplo, a relação de crossdressers e travestis.
Antes desses termos e identidades serem "separadas" lá fora, muitas dessas identidades eram identificadas coletivamente como "travesti" ou "homossexual" por aqui.
Eu, pessoalmente, sou a favor da erradicação do termo travesti, pois tem uma história e carga pejorativa grande demais pra, na minha opinião, ser possível reapropriá-lo como algo bom. Além de ser confuso misturar transgeneridade e transexualidade com travestis por não terem a mesma "origem", culturalmente.
Pra quem perguntou sobre a criação como homem: primeiramente, mensagens generificadas atingem igualmente meninos e meninas. Então não é porque a pessoa é criada menino que ela não saiba o que é "de menina" e como meninas devem ser (mesmo que essa pessoa não se identifique conscientemente como menina).
Além disso, não existe isso de "ser criada como menina". Não existe NENHUMA característica do que seja ser mulher que seja partilhada por todas as mulheres cis.
A única narrativa universal do que é "ser mulher", a única coisa que acontece em absolutamente todas as mulheres, é que ela se identifica como mulher, ela se sente mulher. E olha lá, mulheres trans também.

Aline: Em termos de origem, "transgênero" é muito mais problemático que "travesti". Se travesti foi alcunha do médico alemão, considerado um dos percussores dos atuais movimentos TLGB, trangênero foi alcunha de uma personalidade controversa e extremamente conservadora (Virginia Prince). Acho que não se pode intrometer em como as pessoas se definem, na palavra que usam. Acho mais razoável não reduzir as pessoas aos conceitos impostos em cima destas palavras.

Bia: ‎Vivian, será mesmo que travesti é uma palavra que não se pode ''tirar'' algo de bom? Falo isso porque vejo o "T" nas siglas, nos grupos, e fico pensando que se trata de uma identidade que muitas pessoas se apropriam dela como algo positivo. Mas também não tenho certeza

Vivian: Bem, eu ser contra o uso do termo travesti não significa que sou contra travestis ou elas se identificarem assim. Acho o termo meio problemático, apenas, mas sucesso pra elas se quiserem se identificar assim, por qualquer motivo que seja.
A verdade é que eu fico num ciclo de querer reapropriar positivamente e querer erradicar o termo, dependendo do meu humor.
Um dos problemas que eu vejo com o termo travesti, por exemplo, é que é quase unanimemente usado no masculino, "o travesti". Não que usar transexual vai fazer as pessoas magicamente respeitarem a identificação da pessoa, mas me parece mais fácil fazer isso acontecer "começando do zero".

Jiquilin: Oi, Vivian. Essa coisa de ressignificar o termo pejorativo é muito comum nos movimentos de minoria. Nos EUA, os negros tomaram pra si todo o vocabulário que era injurioso (nigor, black) para tratar os brothers entre si. Entre os gays isso também acontece, quando um gay chama o outro de bixa, viado, é algo meio intimista. Mais recentemente vi essa tentativa com "vadia", em que as mulheres, mais as feministas, tentam ressignificar esse termo (slut walk, p. ex.).
Uma vez eu tentei falar disso para o termo "paraguaio"  no Brasil tem uma acepção injuriosa: aquilo que não presta. Acho que o mecanismo é o mesmo para "travesti": 

Vivian: Jiquilin, sou familiarizada com todas essas reapropriações. Mas ultimamente não boto nenhuma fé que fazer isso com o termo travesti seja algo eficiente.
Tem muito estigma em cima.
Mas, como eu disse, isso é algo do momento que pode mudar conforme meu humor.
Também não sou cega ao fato de que renunciar ao termo travesti é apagar todas as pessoas que por um motivo ou outro se identificam ou são forçosamente identificadas assim, principalmente as que dependem de prostituição.
Por isso mesmo que eu não goste muito do termo e de sua história, eu tento ao máximo não me "separar" da travestis me identificando como transexual e deixando-as ao léu com isso. Qualquer luta por direitos trans tem que incluir as travestis explicitamente.

Hailey Kaas: Eu só relativizaria o "travesti e transexual são a mesma ID". Bom, serão se a pessoa com a qual se ID assim desejar que seja. Do contrário, travesti pode ser sua ID própria com suas especificidades de acordo com a pessoa que se ID como tal. Não vamos correr para apagar e misturar no guarda-chuva uma identidade que tem uma história no Brasil. Muitas travestis sentem orgulho de ser quem são e de sua ID, e sentem orgulho de sua história de luta marginalizada, conforme o termo lhes conferiu essa marginalização. Englobar travesti dentro de transexual porque é pejorativo, pode ser de alguma forma higienista e classista.

Jiquilin: Eu gosto do termo transgênero, porque, pra mim, ele desfaz essa ponte que há entre travesti e transexual. Essa é uma das críticas à teoria queer, que também ve tudo isso num mesmo bloco. Acho que numa abstração mais ampla é só mais uma categoria do espectro das sexualidades. Mas na prática, travestis reivindicam coisas diferentes de transexuais, como a Hailey acabou de dizer. Elas acreditam que se trata de lutas um tanto quanto diferentes. Daí eu pergunto:
Quanto do discurso médico e da patologização da transexualidade não tem a ver com a contribuição do abismo que se cre haver entre as duas classes?
E quanto da marginalização das travestis fazem afastar as "limpinhas" do termo?

Aline: Eu uso só o prefixo trans, que com algumas excessões é muito bem aceito mesmo entre quem se identifica como travesti ou transexual.

Vivian: ‎^ Idem. Trans nesse sentido, e trans* como termo para qualquer identidade não-cis.

Aline: "Mas na prática, travestis reivindicam coisas diferentes de transexuais" Isso eu discordo Jiquilin, o que se reinvindica é a mesma coisa, pelo menos as principais demandas: mudança de nome, acesso a modificações corporais.

Jiquilin:‎ Aline, essas são as lutas comuns: as principais demandas. Mas elas têm especificidades (não sou eu quem digo isso, também acredito que as principais já bastam pra unir). Quando travestis e transexuais criticam a teoria queer, elas reclamam de suas especificidades. Nem sei se elas existem mesmo, mas são elas que reclamam. Será que transexuais não tem a luta específica de lutar contra a patologização do termo? Será que travestis, nesse sentido pejorativo, não tem alguma luta com relação à prostituição?
Eu também acho que as lutas não deveriam ser específicas e separadas, uma vez que as principais demandas dão conta de quase tudo. É então que eu retomo as minhas perguntas: o discurso médico respalda uma verdade que existe pra esse meio (e que não é tão verdade assim). O discurso científico faz acreditar que transexuais têm realmente um transtorno de gênero. Isso basta para as castas existirem: umas limpas, mas doentes, outras sujas, mas resolvidas.
Claro que estou falando de transexuais na oposição com travestis e não na sua oposição com cis.

Letícia Szot: sempre vejo brigas homéricas rolando por causa de termos, classificações, cada-um-no-seu-quadrado. E, quando isso acontece, eu só consigo pensar: "e tem alguém totalmente cis"? Quer dizer: não vou negar os termos, eles existem, são ou já foram bandeiras de luta, representam identidade pra muita gente... só acho que o mundo inteiro se amaria mais se pensássemos em tudo como expressões de gênero, como produtos coletivos dessa loucura que chamamos de sociedade. :) eu nasci com vagina e sou travesti porque me visto de mulher - só não notam isso porque é o esperado. Mas fujo do esperado o tempo todo, exercendo funções "masculinas", me comportando "como homem" etc etc... Sou mulher porque me identifico assim, mas - muito provavelmente - só por isso.

Caroline Jamhour: ‎"principalmente pois o conceito de travesti só existe na América Latina. Lá fora, operação ou não, é transexual".
Mesmo que a pessoa não queira trocar de sexo (genitália)?

Bia: ‎Caroline Jamhour, em língua inglesa tem os termos mais pejorativos como shemale, tranny, já vi algo como ''transexual secundário'', e até mesmo transgenderist, mas não tenho certeza de como eles chamam um trans que não deseja essa cirurgia (ou se fazem questão nessa diferença)

Caroline Jamhour: ‎"Além disso, não existe isso de ‘ser criada como menina’. Não existe NENHUMA característica do que seja ser mulher que seja partilhada por todas as mulheres cis".
Não seria toda a construção sociocultural de feminilidade? Cada uma recebe isso em graus diferentes em sua criação, mas acho que de maneira clara o suficiente pra podermos identificar... tudo de que elas são privadas e/ou incentivadas.
Eu ainda não entendi muito bem como acontece isso de se identificar com esse gênero ou outro. Tipo, o "gênero feminino" é uma construção social, envolvendo "características femininas", que seriam... o que? comportamentos, vestimentas, trejeitos, papel na sociedade? Mas aí se queremos desconstruir o que é esse "papel feminino na sociedade", e desligar essas ideias de que mulher tem que usar vestido, salto alto e batom, e que essas são "coisas femininas", como funciona o transgênero nesse sentido, se não houver um "gênero feminino" no qual se basear?
‎Bia, sempre lembro do filme Rocky Horror Picture Show... "I'm just a sweet transvestite, from transexual transylvania"

Transvestite? Não? Haha

Bia: É, tem a transvestite também, mas me parecia que eles usavam mais usualmente pra aquilo que chamamos de crossdresser (posso estar enganada rsrs)

Vivian: ‎Caroline Jamhour, bem, sempre tem cissexismo e essencialismo genital, mas em geral transexual é transexual independente de modificações corporais, apesar de gatekeepers não gostarem muito disso.
Letícia, parabéns pra você por trivializar toda uma categoria de identidades. Pois obviamente você sabe exatamente o que é ser travesti, e obviamente ser travesti é apenas se vestir de mulher. E é claro que ser uma mulher masculina é a mesma coisa que ser trans*, né.
ARGH
Gente, só lembrando, shemale, tranny, e companhia são termos pejorativos e NÃO SÃO ACEITÁVEIS. Só caso haja alguma dúvida sobre isso.
Sobre transexuais secundários: gatekeeping em sua forma mais pura. Até onde eu saiba essa etiologia de transexuais primários e secundários já caiu. E se não caiu, é bom ficar claro que são classificações com uma história muito tosca, cheia de cissexismo, transfobia e machismo (mesmo que realmente existam duas narrativas principais de transexualidade, essas classificações são usadas principalmente pra discriminar).
(Até, se não me engano, o conceito de transexual secundário começou como o transexual autoginefílico, que por si só é uma agressão cissexista e sexista tremenda)

Hailey Kaas: Então, vamos pontuar resistêcia 101; discurso que generaliza e leva o debate para fora do sistema de opressão e resistência em termos de ID de gênero, esse discurso de humanas é cissexista, não dá pra se apagar a história de categorias de resistência, como as não binárias e trans*, as classificações existem porque as pessoas desejam fugir do sistema binário de gênero ao mesmo tempo em que desejam imbuir essas ID's de força política. Não adianta dizer “somos todos não cis”, ignorando o fato que existem categorias de gênero que têm mais privilégios que outras, é por isso que foram criados os rótulos cis, na tentativa de trazer categorias hegemônicas para o centro de um debate de privilégios e opressões. pessoas CAFAB se designando como travesti é cissexista, está capturando uma ID que tem uma história de marginalização da qual a pessoa não fez parte, não sofreu e não teve os direitos retirados, e nem corre risco de vida por causa disso. É ofensivo com as pessoas que estão em uma posição de desprivilégio e são desumanizadas pelo ciscentrismo. Menos discursos de "somos todos iguais" mas percepção de discursos dominantes e vozes silenciadas, vamos empoderar as ID's existentes e não eliminar elas no discurso de 'somos todos iguais', porque não somos, e os sistemas de opressão estão aí para mostrar.

Jiquilin: ‎Hailey Kaas, foi isso que quis dizer com a diferença da prática (a vida e a história dessas categorias que também são binárias) e a teoria (que junta tudo no “somos iguais”).

Hailey Kaas: a teoria não incorre nesses erros, pelo menos não a teoria queer, que sabe muito bem que existe um sistema de opressão de gênero, acredito que a teoria feminista também esteja ciente, mesmo que ela seja cissexista por geralmente não considerar outras mulheres que não as cis, talvez outras teorias das sociais incorram nesse escorregão teórico, que eu chamo de "torre de marfim" que é justamente você teorizar a partir de uma posição privilegiada e à parte sem estar ciente dos movimentos sociais de luta.

Aline: ‎Jiquilin, sobre a crítica a questão queer e a partir disso dizer que trans possuem especificidades eu concordo totalmente. Questões de identidade de gênero e orientação sexual são evidentemente distintas. Outra coisa é dizer que travestis possuem especificidades distintas de transexuais. Para isso ser verdade, travestis e transexuais deveriam ter significações distintas e nós sabemos que não têm, que é tudo muito arbitrário, que se confunde classe-social, naturalidade e geração.

Jiquilin: ‎Hailey Kaas, quase toda a ciência é teorizada assim.

Letícia: ‎Vivian e Hailey, em primeiro lugar, eu tô apenas aprendendo sobre gênero. A maioria das minhas descobertas tem sido trazida pela Bia, que se reconhece como travesti e é minha amiga na vida real. Eu entendo que vocês se ofendam com o que eu disse porque acaba soando como aquele papo de homem que diz que feminismo não presta porque eles também sofrem, já tá tudo bem pras mulheres e tal... Enfim, foi por isso que fiz questão de dizer que os termos existem - não dá pra negá-los - e, na minha opinião, o que sempre vai contar é aquilo com que você se identifica, logo, se você se disser trans, travesti, crossdresser ou o que for, isso é o que você é, é a bandeira de luta desse grupo que você vai levantar, você pode e DEVE ser visto. Eu entendo os históricos de opressão e de maneira nenhuma eles devem ser desconsiderados. Um oprimido sem nome não é identificado facilmente e não consegue reivindicar muita coisa, não é?

Vivian: E gente, não confundam “expressão de gênero” com “identidade de gênero”.
Como eu disse antes, existe uma identidade de gênero, existe o "sou mulher". Isso é o que define a mulher (ou o homem). Se a mulher é "feminina" ou "masculinizada", isso é expressão de gênero. A expressão de gênero é construída e mutável. A identidade de gênero não.
Eu não vejo minha barba ou meu pênis como diminuindo minha feminilidade. Minha expressão de gênero não é vista como feminina para outros (pra mim sim), mas minha identidade de gênero é, e é só isso que importa, e isso não depende do que é socialmente visto como feminino ou masculino. Depende de como você se sente.
"Eu ainda não entendi muito bem como acontece isso de se identificar com esse gênero ou outro".
Sim, você entende perfeitamente como é se identificar com um gênero. Sua cisgeneridade não é menos identificação que a nossa transgeneridade. Sabe como você se vê mulher? Então, é assim mesmo que funciona. Seu privilégio cis reside justamente em, por ser cis, você não precisar notar que você TAMBÉM está se identificando como mulher. Você só teve a sorte de nascer com um corpo e criação que corresponde a essa identificação (pra você e para os outros).
Sabe hétero que não entende de jeito nenhum como alguém pode gostar do mesmo sexo? Então, com cis é a mesma coisa. A sociedade é organizada de forma a você achar que sua identificação é natural, a ponto de você nunca ter pensando nisso, nunca ter percebido que você está se identificando também.

Jiquilin: Identidade não combina com imutável. A característica de qualquer identidade, seja ela indígena, africana, de gênero.. é a fluidez e a construção cotidiana.

Letícia: o que disse aqui foi tendo em vista a perspectiva de evitar que grupos que, no fim, defendem coisas muito parecidas fiquem se digladiando - o que, infelizmente, já vi que acontece. E também evitar que pessoas que não se identificam como trans, travesti ou o que for, sejam ignoradas pelos que não se identificam assim. Sabe - enquanto eu não percebi que as questões de gênero tinham a ver comigo, eu não dava muita bola! Quando notei que eu também sou oprimida pelos padrões, que não existe caixinha onde caiba o comportamento todo de um indivíduo, inclusive e PRINCIPALMENTE em relação a gênero, comecei a aprender muita coisa e querer participar muito mais. Gosto de dizer que sou travesti porque vejo travesti como uma coisa boa, não quero que ninguém sofra por ser travesti, quero que chegue o dia em que todos sejam livres, sim. E NÃO acho que deva ser crucificada por causa disso...
ERREI.
Eu quis dizer - pessoas que SE IDENTIFICAM como travestis e etc sejam ignoradas por quem NÃO se identifica assim

Aline: Eu acho muito mais produtivo que as pessoas cis sejam capazes de se entenderem por meio das perspectivas trans sobre identidade de gênero. Gostaria muito que se apropriassem deste discurso para que quando falemos sobre identidade de gênero não seja algo exclusivo de "pessoas trans" mas que seja algo relacionado ao ser humano.

Vivian: ‎Jiquilin, existem identidades de gênero fluidas, entretanto, é meio perigoso igualar a fluidez da identidade de gênero à fluidez da normatização e generificação de comportamentos por uma sociedade. Pois isso trivializa, isso dá margem para aquele discurso ridículo a la Butler de que "gênero é performance, porque você não podia continuar homem e fazer coisas femininas?". Isso é inferiorizador, trivializador, e é ignorar que a identificação no outro sexo, pra maioria das pessoas trans*, vai muito além da mera expressão de gênero.
Ninguém vira travesti porque quer poder usar saia no dia a dia, saca.
Existem pessoas que se identificam como mulher num dia, homem no outro, agênera no outro? Sim, existe. Mas eu não diria que a pessoa está mudando de identidade de gênero. A identidade de gênero dela É essa mudança constante.

Letícia: é exatamente isso que tentei dizer, Aline. Tô aqui justamente porque me identifico e gosto de aprender com vocês. Deixem pra atacar quem se recusa a pensar e entender, pra mim o melhor é aprender coisas novas... senão, vai ficar que nem aqueles grupos feministas sem sentido que só aceitam mulher. Homem passa na porta e pensa que não é com eles, que é clube da luluzinha.

Aline: ‎Vivian, Butler usa uma analogia ao usar a palavra "performance". Não deve ser interpretada ao pé da letra. Tem alguns textos sobre isso, vou ver se encontro.

Vivian: ‎Aline, é bastante possível que a Butler não tenha falado isso nesse sentido. Mas essa ideia do gênero como performance é usada SEMPRE para trivializar e deslegitimizar identidades trans.
Sabe aquele discurso de que estamos "perpetuando o binário"? Então...

Aline: ‎"For Butler, gender performance is citational in that it tacitly cites or draws on gender norms (1993, 12–3; 230–33). But it is precisely this citing of the norm as authoritative which confers authority upon the norm (1993, 13). Indeed, the agent herself as the one who either willfully complies or fails to comply with the authoritative norm is likewise produced through this process of citation (1993, 13, 225, 232). Thus, Butler sees the agent qua unified source of gendered behavior as performatively constituted through repeated acts of gendered behavior. This is to say: The ‘agent’ is, far from the cause of gendered performance, its effect (1990, 184–5; 1991, 24; 1993, 232)."
Tradução minha: ‎"Para Butler, a performance de gênero é citacional na medida em que cita ou se baseia em normas de gênero. Mas é precisamente esta citação de normas como autoritativa que confere autoridade sobre a
norma. Na verdade a agente, ela mesma como aquela que voluntariamente, cumpre ou não cumpre com a norma autorizada é também produzida por este processo de citação. Assim, Butler vê o agente da origem da fonte unificada do comportamento de gênero como uma performance constituida através de repetidos atos de comportamento de gênero. Isto é para dizer: A 'agente' é, longe de ser a causa da performance de gênero, é seu efeito".

Jiquilin: Pra mim, (e desculpem a ignorância) essas dicotomias todas estão fundadas no sujeito cartesiano que todos nós somos. E a disputa que existe é "natural X cultural". O sexo biológico (macho, fêmea, hermafrodita) fala da natureza, é uma condição genética. Mas o papel de gênero (masculino, feminino) é cultural. O que é ser masculino e o que é ser feminino construiu-se na cultura. Não fomos nós que inventamos do dia pra noite a masculinidade e a feminilidade, ela surgiu e foi sendo modificada no tempo. Hoje, ser feminino é diferente do que é ser feminino num passado longínquo ou em outra cultura. Hoje temos todas essas questões mais claras e mais discutidas e também as estamos modificando. Por muito tempo, a natureza se impôs a cultura. É por isso que sofremos essas sequelas das incongruências. Sabemos que a feminilidade é diretamente afetada pelas opressões. Se a gente for rondar o machismo, a heternormatividade, a homonormatividade e até a transnormatividade (pra ser uma trans você precisa ter alguns requisitos), vamos perceber que o problema é sempre do feminino. O feminino que não se ajusta a cultura, o feminino que não corresponde a natureza!!

Hailey Kaas: o termo correto é intersexo, Jiquilin; hermafrodita é ofensivo. Inclusive existe um vetor político na ID intersexo, e um discurso de biopoder no termo hermafrodita.

Jiquilin: ‎Hailey Kaas, valeu pela correção.

Vivian: ‎"até a transnormatividade (pra ser uma trans vc precisa ter alguns requisitos)"
Isso é cissexismo, não transnormatividade.
Hermafrodita é um termo ofensivo. "Sexo biológico" é uma coisa muito vaga que na verdade não existe. "Sexo biológico" não é um dado objetivo, é uma construção cissexista binarista culturalmente criada que não tem utilidade ao se falar de identidades trans.
Assim como não existe uma narrativa única que todas as mulheres partilhem em questão de identificação, não existe nenhuma configuração universal do que seria um corpo "feminino". Sempre vai ter alguma mulher (mesmo que exclua as trans) que não tem aquilo e não deixa de ser mulher por isso.
(E vice-versa para homens e masculino)


Jiquilin: ‎Vivian, posso ter errado nos termos, porque não tenho muita fluência nesses usos politicamente corretos. Mas vamos lá.
Eu tô falando de senso comum e tentando entender porque o senso comum é preconceituoso. Sim, cisnormatividade também acho muito frequente.. bem frequente. Mas quando mencionei transnormatividade estava tentando falar de algumas trans que são moralista e não aceitam que uma menina seja trans se ela não tiver uma porção de requisitos.
Quanto ao sexo biologico, concordo plenamente que se trata de uma visão cis. Mas era justamente dessa visão que eu estava falando. Para a norma, o sexo biológico foge do social, está ligado a genética. Mesmo que a gente saiba que um pênis e uma vagina não têm a ver com a construção da mulher ou do homem. No senso comum é essa associação que acontece: a natureza faz você nascer macho, fêmea, intersexo. E esse discurso de natureza é que se impõe.

Vivian: Bem, se o discurso da natureza se impõe, a natureza me fez mulher e quem são as pessoas pra dizer que a natureza está errada em me dar um pênis e testosterona? :P

Jiquilin: Exatamente, Vivian. É isso que acontece, as pessoas sempre acham que as suas visões sobre as coisas são as mais importantes e as corretas. No caso do senso comum, o conceito de natureza tem que ser aquele. XD

Hailey Kaas: ‎"Mas quando mencionei transnormatividade estava tentando falar de algumas trans que são moralista e não aceitam que uma menina seja trans se ela não tiver uma porção de requisitos". Continua sendo cissexismo, visto que esses requisitos são impostos por um sistema cisgênero e binarista.
Por isso não é transnormatividade, não são as categorias trans* que exigem esses requisitos, é a cisnormatividade que só confere humanidade as pessoas trans através da "repetição" do padrão cis. Daí "transexual de verdade" porque supõe um falso, ou seja, um não-cis.
Aliás, me corrigindo, que FINGE que confere humanidade, porque a humanidade não é conferida, porque como diz a Berenice Bento, "sempre serão as disfóricas de gênero".

Jiquilin: É verdade, Hailey Kaas, e quem comete esse cissexismo são as próprias trans (o que eu queria enfocar aqui é que o oprimido tá comprando o discurso do opressor pra oprimir também).Com homonormatividade também quis dizer isso: homossexuais compram o discurso machista pra poder oprimir.

Letícia: Gente - só pra eu poder colocar a cabeça no travesseiro em paz: já entendi que não rola tentar atenuar a diferença entre cis e trans. Mas usar o termo "trans" pra se referir a todxs que se identificam como não-cis tá tranquilo pra vocês? Eu acho legal, abrangente e evita confusões...

Hailey Kaas: Eu não posso responder por tod@s, mas em termos políticos seria mais adequado e com o asterisco (trans*), mas PERGUNTAR SEMPRE A ID DA PESSOA é essencial.

Vivian: Letícia, use trans*. Com o asterisco. Ou transgênero, se trans* não for uma alternativa (ao falar oralmente, por exemplo). Trans* é completamente não-ambíguo, mas não dá pra usar em todo lugar e nem todo mundo conhece.
Depois de trans*, o termo com menos possibilidade de ofender alguém ou de ser mal-entendido é transgênero.
Mas como a Hailey Kaas falou, se estiver falando com alguém especificamente, é sempre boa prática perguntar antes de supor qualquer coisa.

Aline: Eu não tenho velocidade de digitação para acompanhar essa discussão mas sou favorável a atenuar a diferença entre "cis" e "trans".

Vivian: Então, eu não sei exatamente o que é atenuar diferenças entre trans e cis. Se for no sentido de mostrar que cisgeneridade ocorre pelo mesmo processo que a transgeneridade (no sentido de ser uma auto-identificação da pessoa), eu também sou super a favor.
Assim como hétero e gay são (deveriam ser) vistos como duas possibilidades diferentes mas igualmente possíveis, aceitáveis, e funcionando de maneiras parecidas, assim deve ser a relação entre cis e transgeneridade.
Nesse sentido, pra mim atenuar a diferença entre cis e trans é desnaturalizar a cisgeneridade.

Aline: Só uma coisa. Eu acho incômodo a apropriação dos discursos nesse debate com a Letícia sobre o que se pode ou não dizer. Me incomoda profundamente, porque ficou parecendo algo como "algumas pessoas trasn têm autoridade de ditar que tipo de discurso se deve fazer ou não" sendo que não há unanimidade aqui. Eu discordo de uma série de posições, respeito essas discordâncias, mas acho desagradável a forma como foram impostas. Vamos discutir, vamos discordar, mas me senti de certa forma silenciada.

Vivian: ‎Aline, bem, as comunidades trans* que eu frequento (majoritariamente de pessoas americanas e européias) funcionam assim e aceitam esses termos, dessa forma. Eu pessoalmente achei que a maioria das pessoas trans que fazem ativismo concordariam. Pelo visto não, e acho isso interessante pois é a primeira ativista trans que vi discordando dessa forma de usar termos.
Se quiser falar mais sobre isso, podemos discutir isso também.

Letícia: fiz questão de perguntar porque não sou dessas de dizer pro ofendido a respeito de que ele tem direito de se ofender. Mas adoraria conhecer a diversidade de opiniões, Aline. Como alguns disseram, eu não vivo a realidade de vocês... Enfim, tô aqui pra aprender.

Aline: Esta discussão começou de uma forma que achei agradável. Com questionamentos, dúvidas e, por conseguinte, reflexões como toda boa discussão deve ser. Cada umx de nós possui alguma perspectiva (eu uso muito essa palavra) particular. E não importa identidade, sexualidade, gênero ou o que for. É um grupo aberto e me agradam as interrogações, as provocações desde que evidentemente respeitosas. Poucas vezes neste grupo me deparei com provocações desrespeitosas, acho que quem participa ativamente consegue até enumerar algumas vezes em que isso ocorreu, foram bem pontuais, mas no geral a convivência por aqui tem sido tranquila. Eu participo/participei de listas discussões, fóruns de debates de inúmeras questões distintas relacionadas a gênero/sexualidade, mas alguns fóruns foram muito importantes para que eu pudesse digerir e entender melhor essa coisa que tanto falamos chamada 'gênero': lista de discussão sobre intersexualidade e muitas leituras sobre androginia/genderqueer/neutrois e outras categorias ou anti-categorias de gênero.
Vou falar de neutrois só pra citar um exemplo. Neutrois são pessoas que não se identificam como homens ou como mulheres e rejeitam as características sexuais secundárias ou até primárias como a genital. Olha, eu já tinha todo um discurso sobre autonomia corporal, sobre o direito das pessoas a alterarem seus corpos ou não, mas neutrois numa primeira leitura foi chocante para mim. Como alguém pode desejar viver sem genitália? É um caso extremo mas me ajudou a entender por uma perspectiva de outra forma impensável sobre os processos de identificação e rejeição corporal a que qualquer umx de nós estamos sujeitxs.
Por isso adorei o início deste tópico, adoro gente curiosa e aberta a ouvir e questionar. Gostei muito da participação da Bia, acho que ela tem muito conteúdo a compartilhar. Falo dela porque acho que foi a primeira manifestação dela aqui neste grupo. Gostaria que essas discussões fossem agregadoras, que as pessoas não tenham medo de participar. Eu me senti mal porque achei a Letícia simpática e aberta à discussão, a compartilhar e construir conhecimento e a vi acuada, com medo do que escrever, medo de dizer algo que possa parecer ofensivo. Obviamente ela não veio aqui para agredir ninguém ou se achar a "super-cis-fodona", ela só queria aprender.
Minha posição sobre categorias identitárias talvez soe piegas mas aquela pergunta: "Você se identifica como?" Eu me identifico como Aline. Se quiser usar uma palavra para me definir, use, só não me reduza a ela, não apague minha humanidade. Eu como qualquer pessoa guardo um universo em mim. Em contextos ativistas trans, eu uso a palavra (o prefixo na verdade) trans mesmo. E é o que uso também de forma coletiva. Tem outras coisas que uso no meu vocabulário como "sexismo" a forma genérica invés de "cissexismo". Enfim, é isso.

Hailey Kaas: ‎Aline, o tom que você sente "não receptivo" é o tom de quando usam cissexismo arbitrariamente. Vou falar por mim, porque não posso falar por Vivian, eu não tenho obrigação de educar pessoas cis, acho que inclusive já falei isso para você, e nem acho deslumbrante essas pessoas quererem saber sobre trans*, isso é o básico. O google está ai e eu sugiro, como sempre, o tumblr para se educar a respeito de social justice e trans* 101. Estou cansada de cisexplicanismo em fóruns de debate. Teve uma hora que o argumento quase caiu para "wont someone think of the cis ppl". Em termos de força de discurso, eu uso o mesmo argumento feminista, em todos os outros espaços de debates pessoas cis tem voz e força, e eu não sou 'the good tranny' como diz um amigo meu, para ficar com paciência explicando sobre a minha ID. Nenhuma pessoa cis precisa explicar ou justificar a existência de suas ID's. Porém o caso dela foi um escorregão que depois ela consertou, menos mal, pois da outra vez foi um barraco quase interminável entre eu e 2 outras pessoas. A única consideração que vou fazer é em relação a você ter se sentido silenciada.

Letícia: ‎Hailey Kaas, eu entendo você porque participo de grupos feministas e já tive que lidar com aquilo que andam chamando de "mansplaining" (não sei como se escreve). Se soou "cisexplaining" pra parte de vocês, então eu me comprometo a adotar termos e conceitos que são mais aceitos. Só fico um pouco desconcertada quanto a ter parecido tão ofensivo porque o que eu escrevi não veio apenas de mim, veio de conversas com minha amiga Bia, de leituras minhas, de entrevistas que vi com pessoas como Laerte Coutinho - pessoas que eu sei que são reconhecidas como trans*... enfim. espero continuar participando e aprendendo aqui, porque as questões de gênero me interessam muito e, obviamente, não tô buscando aplausos de ninguém por ser cis e me interessar por isso - até porque acho que isso me diz respeito, sim. E um grupo me parece um meio ainda mais interessante de aprender do que o google.


domingo, 1 de janeiro de 2012

Racismo universitário

No segundo semestre de 2011, os funcionários da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) iniciaram uma greve, cuja principal reivindicação era a exigência de isonomia salarial entre as universidades estaduais paulistas (Unesp, Usp e Unicamp). Para entender melhor o caso, veja aqui.

Na ocasião, o restaurante universitário, mais conhecido como bandejão, declarou apoio à greve e parou de funcionar por mais de duas semanas. Foi então que muitos dos alunos se sentiram tocados pela questão. Até aí, tudo muito comum, afinal os funcionários representam o papel dos subalternos da hierarquia universitária. E num lugar como nosso país, a construção da subalternidade está muito atrelada à invisibilidade. Garçons, porteiros, lixeiros etc etc (TODAS essas profissões consideradas subalternas), quase nenhum deles é visto pelas outras pessoas (porque, né, TODAS as outras pessoas exercem profissões superioras).
Muitos estudantes se incomodaram com o fato de esses seres repugnantes, que preparam sua comida e cuidam da limpeza de suas bandejas, se organizavam para exigir seus direitos. A classe média se incomoda quando os subalternos saem de seus lugares invisíveis e passam a querer existir.
A maior parte dos estudantes, apesar de estar lidando com o conhecimento, vive num mundo alheio à realidade imediata da própria universidade. Desconhecem as questões que os cercam. Quando têm a oportunidade de sair para investigá-la, já que a comida acabou e a barriga roncou, revoltam-se como burgueses mimados contra os invisíveis do cotidiano. Levantam bandeiras individuais antes das coletivas. Talvez tudo isso se justifique pela preocupação da própria classe a que pertencem em manter o seu status quo. Se a justificativa não basta como peleguismo ou alienação, talvez também se trate de um medo em rebelar-se contra as amarras do pensamento, aquela que a universidade tanto preza e com a qual a geração jovem universitária atual se aculturou (não crescemos num período repressor, não crescemos com a surpresa da Aids).
Um deles poderia me perguntar: mas, quando os funcionários fazem greve, não estão eles também levantando uma bandeira individual, uma vez que estão ferindo o direito dos estudantes de se alimentarem?
São dois pontos de vistas diferentes: sim, de fato, sem refeição no bandejão, muitos outros funcionários e a classe estudantil ficam, muitas vezes, sem poder comer. Mas, por outro lado, não se trata de uma bandeira individual, porque o contexto é o de uma luta muito maior contra a truculência e a falta de diálogo do reitor. Estudantes, funcionários e funcionários do bandejão não tem o mesmo status dentro da universidade, assim não lhes resta muitas alternativas nos embates políticos. O problema não vem de baixo pra cima. Não surge dos trabalhadores e termina na reitoria. Mas é ao contrário, vem do reitor que, quando se recusa ao diálogo, coloca estudantes (alienados/pelegos) contra funcionários, como se estivéssemos num estádio disputando (com forças desiguais) qual das equipes deve ganhar.
Em vez de aproveitar a oportunidade para conhecer o que realmente ocorre no campus, um grupo de alunos resolveu criar um evento no Facebook sob o título: use sua isonomia para pagar meu almoço.

                     __ Ouviu, funcionário invisível, se um dia você conseguir isonomia salarial de acordo aos        salários das demais estaduais paulistas, pegue essa isonomia, seus honrados reais (que você conseguiu com o suor de sua luta e labuta) e pague meu almoço. O meu almoço, de um estudante que sou, consciente das desigualdades sociais do meu país, já que por causa de seu movimento, funcionário, não pude pagar só míseros DOIS reais no MEU bandejão. Afinal, se você vier me dizer que o governo subsidia minha refeição, posso lhe responder que pago MEUS impostos, com o MEU dinheiro. Portanto, é o MEU direito.

Bom, agora ficou fácil ver de quem são as bandeiras individuais.
Neste evento virtual, um aluno da UnB levantou a lebre que, ironicamente, acabo de anunciar no parágrafo anterior e criou um fórum provocativo:

HP: azul
TC: vermelho

As reações da juventude tocada com as mazelas da opressão dos trabalhadores foi imediata. Notem como a estudante do curso de estatística, TC (manterei as iniciais, sem identificar os sujeitos de modo a preservar suas identidades), ataca o criador do fórum, HB.
A mensagem, claramente tem um cunho racista, igual àquele destilado contra os nordestinos quando da eleição da presidenta Dilma (FULANA DE TAL acaba de ser indiciada por crime de racismo, com o agravante de usar uma rede social ...)
HB é oriundo de Fortaleza e migrou para a capital para fazer o curso de ciências sociais na Universidade de Brasília (UnB). Lá pelas tantas, TC volta e continua seu ataque racista:



Aqui, além de racista, podemos perceber que TC alimenta a típica ideia burguesa preocupada tão-somente com SEUS interesses privados. No post anterior, MA explicou muito bem porque não se trata apenas de dinheiro, universidade, setor público de única pessoa, mas de um bem coletivo que muitas vezes é usurpado por uma parcela muito pequena da sociedade (no caso da universidade pública, usurpado por muitos membros da elite previamente selecionados por um sistema “meritocrático” chamado vestibular).
Mesmo assim, ainda prefiro manter as identidades dos sujeitos em sigilo, porque, particularmente, estou criticando um grupo, uma ideia e um sistema e não uma pessoa em particular. Assim como a Lola, acredito que a perversidade tem um fundo coletivo. Talvez TC mereça uma punição, pois cometeu um crime. Talvez ela deva uma retratação pública ou um trabalho social.
Mas a maior prova de seu arrependimento é uma mensagem privada que a própria TC me mandou inbox:




Devo acrescentar: xingar campineiro (todos, ohhhh!) de playboy não é a mesma coisa que xingar negro de macaco, nordestino de miserável, mulher de piranha, homossexual de pederasta. Do mesmo jeito que estudante não é igual funcionário do bandejão. Será que as construções históricas são tão distantes assim da reflexão mental de um universitário que ele não consiga perceber as diferenças? Só não vê quem não quer e eu não estou disposto a desenhar.

Em tempo: o que você tem feito com a sua língua? Ainda acha que uma piada é só uma piada? Que uma palavra é completamente isenta de carga injuriosa quando posta de acordo com os seus interesses particulares? Acredite, você, ao fazer isso, só está manifestando as velhas ideias da burguesia reacionária.



sexta-feira, 11 de novembro de 2011

PM contra o movimento estudantil

 
 
Sobre o caso da USP, isto é, a ocupação dos estudantes e a invasão da polícia no campus (e notem que usei “ocupar” para os alunos e “invadir” para os policiais, de modo que já declaro minha posição), escrevi um mote e, em seguida, meus amigos continuaram num interessante debate.
Replico a discussão para vocês. Mantive o anonimato das partes, já que pretendo dar destaque as idéias, sem causar exposição da figura de ninguém.
 
 
Mote
"Sou contra a ocupação dos alunos na reitoria". "Sou a favor da PM no campus". É tão fácil ter um posicionamento, e ser coerente com ele, quando não é você que vai a luta. É muito fácil para vc que é um alienado e nunca teve de se posicionar em outros assuntos além dos velhos temas: tradição, família e propriedade!
 
Debate
Envolvidos:
MA
TC
BM
DR
CN
Jiquilin

MA: O pior, Diego, é que nem coerência esse tipo de gente tem, sabe por quê? Porque eles são os primeiros a se inflarem em discursos contra a "repressão" quando jornalistazinho leva bala no morro fazendo matéria sensacionalista, reivindicando a "...liberdade de expressão". Mas não são capazes de perceberem a manipulação por trás da perseguição às poucas cabeças pensantes que ainda existem nesse país, o que é, isso sim, um grande ataque à democracia!

TC: A situação é simples: a lei é para todos e não vejo porque esses "únicos seres pensantes e isentos de alienação" da face da Terra devem ter tratamento diferenciado. Simples assim. Sem falar que a destruição que eles causaram será consertada com o meu dinheiro.

MA: Seu dinheiro?? Pode apostar que se não fosse por esses "únicos seres pensantes e isentos de alienação", o SEU dinheiro já teria ido todo pro ralo há tempos. Aliás, se existe preocupação com o uso do dinheiro público, que é de TODOS e não só seu, essa preocupação deveria estar voltada para o modo como esse dinheiro está sendo gasto em processos obscuros de financiamento de bolsas, em desvios para campanhas políticas, superfaturamentos, incentivos fiscais, obras faraônicas para o circo da Copa do Mundo (enquanto para a Educação só 4,5 do PIB)... e não com a "depredação" de prédios velhos já há muito depredados.. isso aí é ninharia perto do buraco negro pra onde o "SEU" dinheiro vai todos os dias, sem você perceber, porque pra isso não tem TV nem jornal nenhum pra mostrar!
E quanto à lei ser a única para todos... concordo plenamente... aliás, se vc não sabe, esses estudantes estão lá dedicando suas vidas, justamente para garantir a aplicação da lei maior, da nossa constituição, de que é para TODOS o direito à educação pública e de qualidade.

TC: Aham, volta lá no início e veja o que desencadeou essa revolta. Esse discursinho "damos a vida" pelo Brasil é tão antigo. Vocês sabem o que se passa na cabeça dessa gente. É um teatro baderneiro que encenam desde 1960 e nunca buscam métodos efetivos de mudança. Mas enfim, nunca pensaremos igual...

MA: Pois é... desde a década de 60... e se não fosse esses "baderneiros" sem métodos muito provavelmente ainda estaríamos vivendo sob aquele regime. Se vivemos em uma sociedade democrática hoje, deve ser porque os esforços iniciados nos anos 60 não eram tão sem métodos assim, não acha? E acho que os milhares que morreram torturados pelos representantes do governo, são provas de que o "dar a vida pelo país" não é um simples "discursinho" como vc coloca.
Agora se vc não acha que a democracia é uma conquista, também não deve achar importante a existência de uma Universidade pública, e consequentemente a luta por isso... aí nesse caso terei que concordar com vc.. nunca pensaremos igual mesmo.

TC: Detalhe, os baderneiros de 1960 são os caras que hoje vocês atacam e vão contra.

MA: Olha como vcs se contradizem o tempo todo, TC, se os caras da ditadura eram apenas baderneiros e "sem método", como podem estar no poder hoje mandando e desmandando no SEU dinheiro, hein?? O que acontece, meu caro, é que infelizmente, o poder e o dinheiro muitas vezes falam mais alto do que os ideais, mas isso não é argumento para desqualificar toda uma luta que é muito maior que exemplos individuais de militantes que "viraram a casaca".... Vcs falam que nós somos baderneiros e sem métodos efetivos de mudança, primeiro porque vcs nem sabem o que precisa ser mudado e segundo porque vcs não sabem trabalhar metodologicamente com IDEIAS. Se vcs conhecessem a força de uma ideia, saberiam que ela é muito maior do que a força de mil policiais. Por isso nós incomodamos tanto e só somos vencidos assim: com a mídia manipulando a pouca ideia de vcs!

BM: Acho que, se essa galera 'vira a casaca' é porque é muito mais fácil manter uma IDEIA de oposição e bagunça do que, efetivamente, fazer alguma coisa inteligente pra mudar. Nesse caso, posso considerar o VALOR DA IDEIA nulo.

TC: MA, alguns caras da época da ditadura deram origem ao movimento Diretas Já! e aí sim algo aconteceu. A ditadura não acabou porque um bando de revolucionário maconheiro invadiu gabinete ou escritório de nenhum General ou fez ato de similar impacto e/ou inteligência.

DR: Tem que ter PM dentro das prefeituras e dentro da Esplanada também. Lá eles não colocam policiais! É público também minha gente!

MA: BM, não existe ação sem ideia, seja ela boa ou má, o valor de uma ideia nunca é nulo. O que acontece é que algumas ideias são deturpadas pela mídia ou outros grupos mais poderosos. Além disso, vc(s) confunde(m) oposição com bagunça/baderna...... Sinceramente... num lugar tão grande como SP.. acho que se os jovens quisessem simplesmente fazer bagunça, eles teriam opções muito melhores do que a reitoria da USP, onde aliás eles correm o risco inclusive de serem jubilados... sinceramente... quem seria tão burro??

MA: Bom, TC, vc mesmo já deu um bom exemplo de como o movimento estudantil já contribuiu para construir um país diferente, apesar de ter menosprezado o papel dos estudantes nessa história. E se vc pesquisar um pouquinho vai ver que esses mesmos estudantes também foram tachados de coisas piores até do que de maconheiros.. aliás não só estudantes, qualquer militante de esquerda era considerado "comunista comedor de criancinha" e até hoje tem gente que pensa assim... Fazer o quê?.. Quem se instrui um pouco mais sabe que não é bem assim. Acho que ao invés de comprar o discurso da mídia, vc podia se informar um pouco melhor sobre o movimento de greve das universidades estaduais que começou muito antes dessa história da invasão da PM ao campus (sim, se houve alguma invasão foi a da PM), para depois sair por aí tachando os estudantes de "baderneiros" e "maconheiros"... sinceramente, isso é sinônimo de ignorância pura....

TC: Vocês que sofrem de esquerdopatia tem a mania de achar que qualquer opinião diferente da de vocês é ignorância, falta de informação, cabeça manipulada pela mídia etc etc etc. Seja um pouco mais humilde e debata sem subir no pedestal de único ser pensante do assunto. Apesar de você ter opinião contrária a minha, não te considero alienada, burra, desinformada. Aprenda a respeitar a diversidade de opiniões e pensamentos.

MA: Respeito demais a diversidade, e mais ainda, adoro encontrar pessoas que me façam repensar e rever minhas opiniões. Te garanto que não sofro de "esquerdopatia", embora entendo do que vc está falando. É que tem certas opiniões, TC, que não tem como deixar de notar que é produto da manipulação da mídia sim. E essa história de estudante baderneiro é uma delas. Se você conseguir provar para mim que os estudantes invadiram a reitoria da USP em busca do direito de serem maconheiros, eu humildemente tirarei o meu chapéu pra vc e saio da discussão. O fato é que a polícia não estava lá apenas para garantir a ordem e o cumprimento da lei. Se fosse um movimento anti drogas, porque eles não foram lá no centro onde os viciados não deixam nem o trânsito fluir de tanto que dominaram o local? Se a PM fosse um exeeeemplo de eficiência, se o crime já tivesse totalmente controlado em outros pontos da cidade e a polícia não tivesse nada pra fazer.. tudo bem ir lá na UNIVERSIDADE prender uns maconheirinhos... mas pera lá, né?... não tá nem perto de ser o caso... Não te considero nem alienado nem burro, se não nem me daria o trabalho de continuar essa discussão, agora.. que vc no mínimo está um pouco desinformado.. isso com certeza.. se não ao invés de mudar de assunto jogando a culpa na minha "esquerdopatia" vc tinha me apresentando alguma informação que me fizesse calar a boca!
 
TC: Eu concordo quando você compara a atuação da polícia na USP e em outros ponto violentos da cidade, e também acho um absurdo a falta de coerência de atitudes. Por outro lado, não podemos usar esse argumento para justificar certas atitudes. Se fosse assim, viveríamos numa anarquia, já que no Brasil todos se sentiriam no direito de roubar, usar drogas, contrabandear etc, se sentindo no direito de fazer como uma parcela da população que faz e não é punida. Mas isso seria correto? Outra coisa, se esses alunos lutam pela democracia, por que não seguiram a vontade da maioria dos alunos da USP (vai ver porque se acham os únicos seres pensantes da face da Terra)? Por que a grande maioria dos alunos da USP estão contra eles? Por que são alienadinhos no conceito de vocês ou por que vivem lá o dia todo e sabem o que se passa naquela universidade? Ontem os professores da USP decidiram não aderir àquela greve de alunos, estranho isso, não? Aluno faz greve e professor não? Que mundo transcendental é esse que vive o grupo seletos dos pensantes da USP?

CN: Não acho bem isso... Eu tenho as minhas razões pra ter minhas opiniões. Eu pesquisei, li várias coisas a respeito, conversei com conhecidos que estudam lá. E permaneço contra a ocupação porque eu sei que entre os manifestantes existem os "massa de manobra" que estão lá por auê (veja que não estou dizendo que são todos ou a maioria) Sei, porque eu já estudei na fflch e sei que lá existe gente que está na faculdade pra fazer politicagem, depois de cumprir sua missão na USP vai pra outra universidade, e assim vai indo! Sim sim sim, eles existem.
Ao mesmo tempo, não sou contra a presença da PM no campus SE ela agir de acordo como deve agir, e não como quer agir ou como um superior quer que ela aja.
Pronto, opinião justificada.

Jiquilin: CN, como a MA, já disse, esses são casos particulares que não devem deslegitimar toda uma luta muito MAIOR que massas de manobra. Sugiro que vc leia toda a discussão, está muito interessante. Do mesmo modo, eu ainda continuo opinando que "pensar sobre" não é a mesma coisa que "pensar com". A gente não tá lá, não sofre perseguição política, não levantamos a bunda por nada (somos uma geração que aprendeu só a nascer e a morrer, porque crescemos, segundo dizem, num ambiente preocupado com a segurança - do negro ao mulçumano-, com medo da Aids etc etc). Só podemos nos solidarizar com a classe, muito embora possamos não concordar com seus métodos. Isso, no entanto, não significa que somos seres privilegiados, porque somos os únicos pensantes, obviamente esse argumento é patético. Como a MA tb já disse, defendemos que todos devem pensar e isso só é possível numa sociedade cada vez mais democrática, com uma educação pública e de qualidade.



MA: Vejo que a discussão está cada vez mais interessante.. Começando pelo último comentário do TC, gostaria de lembraá-lo e a todos, que os estudantes do Movimento Estudantil de qualquer universidade, inclusive o da USP, são representantes eleitos democraticamente através de votações legítimas, então é inaceitável falar em falta de democracia, ou que eles representam uma minoria. Se eles representam uma minoria, é porque a "maioria" se absteve de participar dos espaços destinados para as tomadas de decisões, como as assembléias estudantis, formação de chapas, etc. No "dia-a-dia" do campus, como o TC diz, poucos se atentam para a importância desses espaços e quando algo grande acontece, como a invasão da PM, muitos desses que passam seus dias preocupados apenas com os "SEUS" afazeres, usam da internet para dizer coisas que deveriam dizer ao longo da vida acadêmica, nos espaços legítimos criados para essas discussões. Então, TC, se os estudantes que ocuparam a reitoria não atendem a vontade da maioria, não é por falta de democracia, nem muito menos por se acharam mais pensantes ou mais inteligentes do que essa suposta "maioria", mas sim (SUPONDO que de fato exista essa maioria que discorda dos últimos atos dos estudantes) porque essa maioria não se fez ouvir e não esteve presente nas assembléias que deliberaram sobre o assunto.

Agora, sobre a parte moralista do seu comentário, como vc mesmo apontou, há uma grande incoerência na atitude da polícia, e o fato de destacarmos essa incoerência não significa que queremos "justificar certas atitudes", muito pelo contrário. Mostrar o exagero da polícia é mostrar justamente quem são os verdadeiros bandidos dessa história, a saber, a corja de tucanos que quer destruir tudo que é público. Se os bandidos fossem simplesmente um bando de deliquentes juvenis, não haveria motivo algum para abalar metade do efetivo da PM, para combatê-los. Meia duzia de viaturas e um bom comandante já resolveria o problema da "baderna". Veja bem, ontem mesmo precisei ligar no 190 e não atenderam a ligação depois de várias tentativas! Depois me explicaram que eles não tem culpa, que a demanda é grande para poucos atendentes, as viaturas demoram a chegar porque é coisa de 1 viatura para 60 mil habiltantes... e por aí vai... Então quando eu disse que vcs não sabem o que significa aquele verdadeiro arsenal militar dentro de uma universidade pública.. é porque vcs não sabem mesmo, e eu não to falando isso tipo "me achando A cabeça pensante". É como o Jiquilin disse, nada como estar DENTRO de uma realidade para compreendê-la com mais propriedade. E no final é isso o que acontece: os estudantes que estão lá ocupando a reitoria, votando em greve, etc, são estudantes que dedicam boa parte de suas vidas na luta pela universidade pública, gratuita e de qualidade. E só quem está nessa luta conhece bem as manobras do governo para tirar o mérito de quem está lutando. Então, TC, quando dizemos que julgar os estudantes do movimento de "maconheiros deliquentes" é alienação, não é porque sofremos de "esquerdopatia", mas sim porque reconhecemos nesse discurso a eficiência da manobra do governo para tirar o foco daquilo que é realmente importante: o sucateamento da educação pública em todos os níveis de ensino.