terça-feira, 11 de dezembro de 2012

A ignorância: uma saudade distante

No post de hoje, trago uma tradução de uma indicação de leitura feita por uma amiga paraguaia, a Madeleine, que pode ser visitada aqui no seu lindo blog Melancoholia.

Made, como costumo chamá-la carinhosamente, nos recomenda nada mais nada menos que o escritor tcheco Millan Kundera em sua recente obra de 2000 intitulada "A Ignorancia".

Eis suas impressões, uma breve sinopse e uma linda passagem em que o autor fala sobre a palavra "saudade" em algumas línguas. É interessante notar que este livro desmascara o mito de que "saudade" só existe em português.

***

O eixo central deste breve romance é a "saudade", mas não qualquer saudade, mas sim a que sente aquele que se vê forçado a emigrar por motivos, dentro outros, políticos. A saudade dada aos anos que se passaram e ao confronto do período vivido fora com o período da vida das pessoas que ficaram na pátria. Confronto do que é, do que foi e do que pudesse ter sido em outras circunstâncias. Dentro de uma reflexão filosófica costumeira nos livros que li de Kundera, a comparação desta saudade dos personagens com a saudade de Ulisses e seu regresso a casa, assim como a análise linguística do termo em vários idiomas foi o que mais me cativou deste pequeno livro muito mais recomendável. 
Sinopse da  edição:
Uma mulher e um homem se encontram por casualidade quando ambos realizavam a viagem de retorno ao país do qual haviam emigrado 20 anos atrás. Poderão empreender novamente uma curiosa historia de amor iniciada na então terra natal? Acontece que, depois de tão longa ausência, suas lembranças não se assemelham. Porque nossa memória,  a pobre, o que pode fazer? Só é capaz de reter do passado uma miserável pequena parcela sem que ninguém saiba por que precisamente essa e não outra? Vivemos mergulhados num imenso esquecimento, e não queremos saber dele. Somente aqueles que, como Ulisses, voltam depois de vinte anos a sua Ctaca natal podem ver de perto, atônitos e deslumbrados, à deusa da ignorância.


Recorte:


Em grego, "retorno" se diz nóstos. Álgos significa "sofrimento". A nostalgia é portanto o sofrimento causado pelo desejo irrealizado de retornar. Para esta noção fundamental, a maior parte dos europeus pode utilizar uma palavra de origem grega (nostalgia) e, além disso, outras palavras com raízes na sua língua nacional: "añoranza", dizem os espanhóis; "saudade", dizem os portugueses. Em cada língua, estas palavras possuem um matiz semântico diferente. Muitas vezes significam apenas a tristeza causada pela impossibilidade do regresso ao país. Recordação dolorosa do país (Morriña del terruño). Recordação dolorosa do lugar (Morriña del hogar). O que, em inglês, se diz: homesickness. Ou em alemão: Heimweh. Em holandês: heimwee. Mas trata-se de uma redução espacial da grande noção. Uma das mais antigas línguas europeias, o islandês, distingue bem os dois termos: söknudur, nostalgia no sentido geral; e heimfra: recordação dolorosa do país. Os checos, a par da palavra nostalgie vinda do grego, têm para a noção o seu próprio substantivo, stesk, e o seu próprio verbo; a mais comovente expressão de amor checa: styska se mi po tobe: "tenho nostalgia de ti"; "não posso suportar a dor da tua ausência". Em espanhol, añoranza vem do verbo añorar (ter nostalgia), que vem do catalão enyorar, derivado, por seu turno, da palavra latina ignorare (ignorar). A esta luz etimológica, a nostalgia aparece como o sofrimento da ignorância. Tu estás longe, e eu não sei o que te acontece. O meu país está longe, e não sei o que se passa lá. Certas línguas têm algumas dificuldades com a nostalgia: os franceses só pode exprimi-la por meio do substantivo de origem grega e não têm o verbo para ela; podem dizer je m´ennuie de toi, mas o verbo s´ennuyer é fraco, frio e seja como for demasiado ligeiro para um sentimento tão grave. Os alemães raramente utilizam a palavra "nostalgia" na sua forma grega e preferem dizer Sehnsucht: desejo do que está ausente; mas Sehnsucht pode visar de igual modo tanto o que foi como o que nunca foi (uma nova aventura), e, por isso, não implica necessariamente a ideia de um nóstos; para se incluir na Sehnsucht a obsessão do regresso, seria preciso acrescentar um complemento: Sehnsucht nach der Vergangenheit, nach der verlorenem Kindheit,  ou nach der resten Liebe (desejo do passado, da infância perdida, do primeiro amor).

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Ditadura no ditado?




Logo quando comecei a estudar formalmente língua espanhola e a ter um contato maior com os registros linguísticos mais afeitos à educação, ouvi um verbo num determinado uso que me chamou muito a atenção. Façamos uma reflexão prévia para que em breve possamos voltar ao exemplo.

Sabemos que português e espanhol, dado seu parentesco, têm uma quantidade incrível de cognatos. Trata-se de palavras cujos significantes são praticamente idênticos. Embora as palavras se mantenham conservadas nas formas escritas, ainda assim variam bastante em pronúncias.
Já que o significante é a parte tangível de uma língua, os falantes tendem a perceber mudanças e nuanças com mais facilidade quando elas acontecem neste nível.
Contudo, quando deixamos um pouco o significante de lado e focamos no vocábulo como um todo, isto é, quando consideramos também significado e usos, notamos que as semelhanças entre português e espanhol diminuem consideravelmente.
Quanto ao sentido: há casos em que, embora etimologicamente oriundo de uma mesma raiz (ou seja: mesmo tratando-se de significantes semelhantes), algumas palavras desenvolveram sentidos cruzados em uma língua e outra, são exemplos: apelido-apellido/sobrenome-sobrenombre; classe-clase/aula-aula, entre outros.
Outro caso que engloba o sentido, e que é o preferido do público, são os falsos cognatos, como ratón/rato, salgo (de salir)/salgo (de salgar), carpeta/carpete, busetero/buceta, etc. Aqui, como acolá, o que causa confusão e graça é a importância que mais uma vez se dá ao significante, ainda que cada uma das palavras pertencentes aos pares não tenha a mesma origem etimológica. Os significados atribuídos aos significantes parecidos não se assemelham.
Em outras ocasiões, o vocábulo guarda matizes semânticos diferentes, percebidos no uso, para cada um dos idiomas. Exemplo: uma vez meu irmão brasileiro, luso-falante, fez uma reclamação ao meu pai sobre meu irmão mais novo, ambos falantes do espanhol paraguaio. Em português, o brasileiro disse: - Pai, o casula foi muito mimado. Notei que brasileiro e paraguaio, filho e pai, haviam se entendido em partes. É que o sentido luso, no português brasileiro, e o sentido hispano, no espanhol paraguaio, de “mimar” guardam uma dessemelhança tênue. Enquanto em português “mimar” pode ter o significado de “adular alguém excessivamente a ponto de deixá-lo mal acostumado”, em espanhol paraguaio “mimar” significa apenas “fazer muito carinho”. Enquanto meu irmão brasileiro queria dizer que o casula apresentava um mau comportamento devido à má criação do pai; meu pai, todo orgulhoso, estava entendendo aquilo como um elogio, já que ele se percebia como um pai excessivamente carinhoso. Exemplos desse tipo existem em abundância nos léxicos das línguas: quedar, enamorar, etc.
Nestes casos, os significantes são praticamente os mesmos e o que muda é uma parte dos significados.
O exemplo que gostaria de discutir hoje, o qual deixei em suspense logo no início deste texto, tem a ver com estes matizes semânticos que são bem percebidos quando as línguas estão em contato. Nos discursos de cada língua, o conteúdo semântico que se difere é bem sutil.
A locução que ouvi, de um professor, no espanhol da Espanha (e depois também ouvi em países latino-americanos) é:

Voy a dictar clases

A primeira vista, o falante de português ficaria horrorizado diante uma tradução capenga do tipo “palavra por palavra” de uma sentença pronunciada por um professor: Vou ditar aulas.
Seria estranho que um professor ditasse suas aulas. Seria como se ele estivesse admitindo seu autoritarismo e fizesse da sua sala de aula uma ditadura.
Aqui há dois problemas, o primeiro e o mais óbvio é que a tradução, focada no significante, é, em parte, equivocada; e o segundo é que nem sempre fica tão claro os caminhos que as palavras percorrem para chegarem em seus usos atuais (ver em português interjeições como “ave”, “nossa”, ou verbos como “judiar”, que não remetem, maioria das vezes, a “ave maria”, “Nossa Sra.” ou a “judeus”). Quando o luso-falante faz um julgamento de valor do professor hispano-falante, ele nada mais está revelando sua inabilidade em tentar ver o mundo com olhos diferentes dos que está habituado.
Junto com o espanhol, o italiano é outro idioma em que aparece “ditar” com o sentido de ensinar. Isso nos mostra que no passado da língua, “ditar” era amplamente usado como sinônimo de “lecionar”. Sem querer fazer uma inspeção mais profunda, posso afirmar que até mesmo os mais leigos perceberão os resquícios desse sentido na língua atual: “ditado, dicção, dita, etc”.
É interessante destacar que, se por um lado, é etnocêntrico avaliar o espanhol pelo julgo do português, por outro, é anacrônico, analisar os usos atuais estritamente pelo uso passado. Os sentidos que ditar tomou em português lhe permitiu uma associação maior com “ditadura” do que com “ditado”. Basta entender que espanhol e italiano percorreram outro caminho diverso ao da última flor do Lácio, pelo menos na variedade brasileira.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A língua guarani frente as demais línguas do Mercosul ou O guarani de um Paraguai globalizado


Com a atual situação política anti-democrática pela qual o Paraguai está passando, o país foi excluído temporariamente do Mercosul. Isso tem um importante significado no giro do carrossel do (des)prestígio linguístico do guarani.
Este é um texto que fiz circular em 2007-2008 na Jornada de Jóvenes Investigadores de la AUGM, que teve lugar em San Lorenzo, Paraguai, e no I Encontro sobre Linguagem e Exclusão, em Campinas. 








RESUMO: Este artigo compartilha de uma reflexão feita por Rajagopalan (2003) ao admitir que as identidades lingüísticas na atualidade estão muito comprometidas pelas influências estrangeiras, graças ao processo de globalização característico do mundo pós-moderno. Nesse sentido, faço uma ronda em torno do guarani paraguaio e discorro em que medida a identidade lingüístico-cultural paraguaia se manifesta numa relação de um Paraguai que está em contato com, pelo menos, os vizinhos do Mercosul. Levanto, por conseguinte, questões sobre o que significa a oficialização do idioma indígena como língua do bloco. É o guarani uma língua mercantilizada como o são o espanhol e o português na América do Sul? Qual o interesse acadêmico e até mesmo do senso comum em conhecer a cultura paraguaia para além dos estereótipos? Por que os órgãos oficiais, como as secretarias de cultura, interessam-se pela difusão das culturas sul-americanas? O Paraguai, declaradamente mestiço, é o país exótico do cone sul? E o prestígio da língua paraguaia, mestiça por conseqüência, tem relação direta com o (des)prestígio de poder político-econômico do país frente a globalização? Estas são algumas das questões esboçadas, nem sempre respondidas, no artigo que aqui se apresenta.





“... as línguas não são meros instrumentos de comunicação,
como costumam alardear os livros introdutórios.
As línguas são a própria expressão das identidades de quem delas se apropria”
(RAJAGOPALAN, 2003, p. 69)

“A língua é muito mais que um simples código ou um instumento de comunicação.
Ela é, antes de qualquer outra coisa, uma das principais marcas de identidade de uma nação, um povo.
Ela é uma bandeira patriótica”
(RAJAGOPALAN, 2003, p.93)

Introdução

Durante a XXIII Reunião de Ministros da Cultura, realizada no dia 21 de novembro de 2006, na cidade do Rio de Janeiro, adotou-se o idioma guarani como uma das línguas oficiais do Mercosul:
Conscientes do relevante valor das línguas no campo simbólico da cultura, os Ministros e Ministras declaram o Guarani como língua oficial do MERCOSUL, assinalando o caráter emblemático dessa consideração que remete à enorme riqueza e variedade das línguas dos povos originários da região[1]
Embora a atitude seja louvável, ela é tardia. Por que o guarani torna-se língua oficial apenas 15 anos depois da assinatura do tratado de Assunção? A resposta pode parecer simples, mas ao elucidá-la, podemos revelar toda uma relação de (des)prestígio não apenas lingüístico, senão político-econômico da nação paraguaia e suas línguas, frente às demais nações, línguas e dialetos do bloco.
Em termos de língua, o guarani é caracterizado por sua oscilação em função do tempo quanto ao seu prestígio. Como se verá nos tópicos seguintes, o fato histórico Mercosul é apenas mais um movimento de sobe e desce desse carrossel em que o idioma indígena se encontra. Justamente por se tratar de uma língua cuja história é repleta de descaso e sucesso, o guarani é ainda uma língua viva e oficial de um país, visto que seus obstáculos são superados com momentos de prestígio que acabaram por fortalecer momentaneamente a língua.

Breve histórico do prestígio e desprestígio da língua guarani

O Paraguai foi um país que experimentou, assim como o Brasil, a ação dos missionários durante a colonização. Em 1580 chegaram os franciscanos e logo posteriormente os jesuítas. Estes últimos, sobretudo, implementaram o sistema de reduções.
De maneira bastante resumida, a situação sócio-cultural da colônia, segundo Melià (1992), podia ser simplificada em:
a)                las ciudades de españoles, donde, sin embargo, se hablaba guaraní, por lo común.
b)               los pueblos de indios, al norte del río Tebicuary, regidos por clérigos y franciscanos, donde el guaraní era también la  lengua ordinaria.
c)                los pueblos de las Misiones jesuíticas, donde estaba creándose un nuevo lenguaje y una nueva lengua (p. 33)
Tal estrutura permitiu que o guarani gozasse de um longo período de prestígio – era a moeda básica de troca entre todos os estamentos da colônia -, praticamente o idioma desfrutou desse estatuto até a saída dos jesuítas do território, no século XVIII. A permanência dos religiosos não apenas permitiu que a voz indígena fosse a que prevalecesse no período colonial, como também fez com que ela ecoasse até os dias de hoje, contribuindo em muito como reflexo da formação histórico-social do país:
A realidade do guarani constitui uma situação particular quando pensamos nas relações estabelecidas entre as noções de civilização e cultura nos discursos sobre a história latino-americana.  A civilização na América Latina – no sentido de constituição de cidades (civitas) atuais a partir de modelos urbanos europeus–, coincide com o apagamento das culturas locais, indígenas, consideradas não civilizadas – no sentido de não-evoluídas (inferiores).  Essa polissemia do termo civilização, tal como mobilizado nos discursos da (sobre a) colonização, produz uma confluência característica na compreensão dessa realidade cultural e urbana.  Civilizado é ao mesmo tempo evoluído (superior) e urbano, estando as culturas indígenas excluídas de ambos os sentidos do termo.  Isto é, as culturas (línguas) indígenas, por serem consideradas não-civilizadas (primitivas, inferiores), são excluídas da civilização (constituição de cidades).
 Esse não parece ter sido o caso no Paraguai, onde o guarani permanece até hoje não apenas como língua do campo (onde seu predomínio sobre o espanhol é absoluto em todas as regiões do país), mas também como língua das cidades e da capital, sendo sua presença muito evidente tanto nas conversas de rua como nos meios de comunicação, tendo sido inclusive incluído, como mencionado, no âmbito mais formal do discurso jurídico – administrativo, ao ter sido instituído como língua de Estado (RODRÍGUEZ-ALCALÁ, 2002).
            Podemos considerar que o fato de o guarani ser praticado nos tempos dos jesuítas - um guarani que não corresponde ao atual, mas que é sua fonte – esse ato foi o primeiro ápice – o desencadeador - na metáfora do carrossel do prestígio lingüístico.
            Melià[2] relata que, inclusive, às vésperas da Proclamação da República, documentos eram redigidos em idioma índio. “Cuando el general Manuel Belgrano en 1810, en vísperas de la Independencia, dirigía proclamas y cartas en guaraní a las autoridades del Paraguay y a su pueblo, lo hacía a sabiendas de que ésta era su lengua propia” (p. 157).
A Independencia, em 1811, realizada pela “oligarquía criolla terrateniente y militar”[3] – nem 100 anos após a saída dos jesuítas em 1768 - elevou ainda mais o prestígio do guarani. Tal período durou até 1840 – morte de Francia – e teve seu cume durante o período de ditatura, 1814 -1840, instaurado pelo já mencionado Gaspar Rodríguez de Francia. Melià[4] alega que durante a ditadura o processo de banimento do castelhano se radicalizou:
Hechos como la supresión del Real Colegio Seminario de San Carlos, en 1822, y la secularización de todas las órdenes religiosas, afectaron muy directamente a las posibles élites culturales. Se puede afirmar que a partir de la década de 1820-1830, solamente es representativa del Paraguay la denominada gente rei, es decir, ‘el pueblo común’, según el análisis histórico de R. E. Velázquez (1976). Los grupos sociales con capacidad e interés por emplear la lengua castellana, como podía ser la burguesía comercial y la oligarquía terrateniente, heredera de encomenderos y ‘comuneros - menos éstos que aquéllos – fueron reducidos a callarse, cultural y políticamente (Granda, 1988: 544) - (p. 159)
            Pouco se sabe sobre a educação escolar no período de Francia (MELIÀ).
El alcance real que haya podido tener la escuela en tiempos del doctor Francia es hasta hoy un asunto mal conocido, que suscita opiniones encontradas. (...) Pero hacia 1834 el Estado sólo sostenía a 150 maestros que enseñaban a unos 5000 alumnos. (…) Lo que en estas escuelas se enseñaba era un curioso catecismo llamado ‘patrio reformado’, cuyo texto, por lo menos tal como se ha conservado, estaba en castellano (p. 165)
            Melià faz referência também a uma biblioteca de Francia (repleta de títulos castelhanos), mas conclui que tais dados sobre o espanhol são mais anedóticos que efetivos no que diz respeito à situação lingüística do Paraguai nessa época.
            É somente após a morte de Francia, e com ela o fim de sua ditadura, que se dá início ao processo concreto de castelhanização do Paraguai. Seu sucessor e sobrinho, CarlosAntonio López, ficou conhecido, em se falando da língua e cultura guarani, por “no haberse interesado por la cultura guaraní” (p. 166). Há relatos publicados tanto por Melià (1992) quanto por Rubin (1968) de que inclusive a língua guarani havia sido perseguida na escola durante o governo de Carlos Antonio López.
            Tal político também ficou conhecido por conceder cidadania aos índios. Mas vale lembrar que tal fato, do ponto de vista (político)lingüístico, pouco tem de glorioso, glória que costuma ser exaltada em qualquer bibliografia sobre López (pai). Conceder a cidadania aos índios não mais foi que uma tentativa de castelhanizar uma cultura indígena. Em 1848, ele extinguia o regime de comunidades, o que desfez as cidades dos índios e acabou com o uso dos sobrenomes guaranis (MELIÀ, 1992).
Castellanizada de palabra, esta gente seguía tan guaraní como antes en la palabra. Ahora traían un nombre español, habían dejado de ser ‘indios’, pero hablaban en guaraní. De este modo un grupo considerable de indígenas, hablantes en guaraní, se incorporaba a la masa de los ‘paraguayos’, con lo que se cerraba un proceso que ya se había iniciado con fuerza cuando muchos guaraníes de las Misiones jesuíticas, salidos de sus pueblos, habían pasado a las ciudades de españoles o se habían conchabado como peones en las estancias (p. 167-168)
Da saída dos jesuitas (1768) até a morte de Carlos Antonio López (1862), podemos encontrar uma oscilação completa de nosso carrossel: um grande momento de prestígio seguido de outro de desprestígio. Mas antes de mencionarmos o mundo da globalização atual e a oficialização do idioma guarani no Mercosul, ainda teremos de dar pelo menos mais um giro em nosso lúdico brinquedo.
No governo seguinte, o do filho de Carlos Antonio, Francisco Solano López, talvez um dos nomes históricos mais lembrado pelo povo paraguaio, o idioma guarani volta a ser idioma prestigiado.
A guerra contra a Tríplice Aliança – Argentina, Brasil e Uruguai – transforma Solano López em herói nacional e a língua guarani em característica de orgulho da nação paraguaia. O clichê de que a língua pode funcionar como bandeira do país é exemplificado pelo caso paraguaio mediante suas guerras.
La guerra de 1864 e 1870 se nutrió con la sonora armonía del idioma autóctono. […] El drama hondo y terrible, la tragedia singular de aquella época los sufrió, así, el pueblo paraguayo, en guaraní. Era la lengua en que lloraban las mujeres de la ‘residenta’ y en la que odiaban y peleaban los varones de nuestra tierra (CENTURION, 1947, apud MELIÀ, 1992)
O segundo giro se completa exatamente no período posterior à guerra do Paraguai, finda em 1870, com nova perseguição contra o guarani em favor da castelhanização.
A Argentina teve papel fundamental nesse novo período, o país vizinho havia exterminado grande parte das culturas de substrato e de lá provinha a ideologia de que o castelhano era o elemento civilzador necessário para aplacar o uso do guarani. Melià arrola dados interessantes sobre como o pensamento argentino se traduzia para a realidade paraguaia, dentre eles, o fato de muitos dos professores do Paraguai pós-guerra terem completado sua educação na Argentina e o fato de que as pessoas circulavam de um país ao outro. Nesse intercâmbio, chegou ao Paraguai, em 1887, Domingo Faustino Sarmiento, um político e educador famoso naquele período, segundo Melià. Como bem resume Alcalá-Rodrigues na citação há pouco transcrita, o elemento indígena está relacionado ao primitivo e não-civilizado (discurso presente inclusive nos dias de hoje).
Uma vez que a intelectualidade paraguaia, inserida no contexto mundial progressita, tomava para si a ideia de que o guarani estava para o retrocesso e o castelhano para o progresso, a escola, os jornais e os documentos oficiais se enchiam do discurso de repúdio ao guarani.
Mas a guerra do Chaco (1932 a 1935), de certa forma, ameniza, mas não interrompe, tal discurso. Mais uma vez o guarani se transforma em motivo de orgulho e em estratégia de guerra.
Na segunda metade do século XX, marcada pela ditatura de Stroessner (1954-1989), a história do (des)prestígio guarani é ainda mais complexa e ambígua. Surgem órgãos de apoio ao guarani, publicações, criação de revistas, decretos etc (MELIÀ, 1992).
La disposición legal más significativa de la época no deja de ser la que consta en la Constitución de 1967, con su art. 5°: ‘Los idiomas nacionales de la República son el guaraní y el español. Será de uso oficial el español’. Y en su art. 92: ‘El Estado fomentará la cultura en todas sus manifestaciones. Protegerá la lengua guaraní, y promoverá su enseñanza, evolución y perfeccionamiento’ (MELIÀ, 173)

Quanto às mudanças educacionais, Melià lembra que um conjunto de fatores possibilitou que se começasse a pensar pela primeira vez num estudo mais sistemazidado do idioma. Em 1962, cria-se o Instituto de Lingüística Guarani, em 1971 o Bacharelado em língua guarani. Três anos depois surge também a cartilha “Ko’êñ” (Amanhecer), fruto de “experiencias de educación alternativa en ‘escuelitas campesinas’” (p. 174). O alcance do ensino do guarani só ganharia força depois da década de 1990, quando, de fato, a escola incorpora a disciplina das línguas maternas, i.e. também o guarani, no currículo obrigatório. Antes disso, “la enseñaza sistematizada del guaraní tiene en el Paraguay una historia de altibajos, que refleja tanto problemas propiamente pedagógicos como indecisión y ambigüedad política” (p. 174)
Com a nova Constituição de 1992, o guarani se torna língua oficial, como ressalta Melià (p.175):
De los idiomas

Artículo 140. El Paraguay es un país pluricultural y bilingüe.
Son idiomas oficiales el castellano y el guaraní.
La ley establecerá las modalidades de utilización de uno y otro.
Las lenguas indígenas, así como las de otras minorías, forman parte del patrimonio cultural de la Nación

A construção dos discursos em torno do guarani

De modo bastante rápido, através da resenha de Melià (1992), fizemos um apanhado histórico sobre o vai-e-vem do guarani dançante no carrossel do (des)prestigio (sócio-econômico-político) lingüístico.
Vimos que a oficialização do guarani como língua nacional[5] também foi tardia e se deu a custa de muitas voltas e reviravoltas históricas. À medida que cada ciclo se completava um novo discurso sobre o guarani surgia: em momentos de glória, o discurso que predominava era o de orgulho[6] – o guarani enquanto símbolo e bandeira do Paraguai. Em tempos de perseguição, o guarani era acusado como o culpado pelo atraso paraguaio. Mas esse atraso somente aparece depois da Guerra do Paraguai e que foi ocasionado, como bem sabemos, pela destruição massiva do país. A mesma língua que fracassou no campo de batalha na Grande Guerra foi vitoriosa na Guerra do Chaco.
Enfim, na confluência desses dois principais discursos sobre o idioma guarani - um de orgulho e outro de retrocesso – é que se encontra o Paraguai atual e a realidade com a qual se depara o Mercosul.

O que significa o guarani como língua oficial do Mercosul?

No Paraguai de hoje tenta-se adotar uma planificação lingüística que valorize e proteja o idioma guarani, como medida que reconhece o multiculturalismo da nação e assume o passado histórico de formação do país. O guarani, juntamente com o castelhano, é ensinado na escola para todos os níveis.
Dentre os países da América do Sul, sobretudo os membros do Mercosul, nenhum tem uma situação como a paraguaia em que a língua indígena se tornou língua majoritária. Nesses países predominou a língua européia imposta e que substituiu as nativas – ou as trazidas da África - (pelo menos em prestígio). O mesmo processo que impôs o latim à península ibérica foi o que obrigou o falar português-espanhol, sobretudo, cá na América, mais especificamente no cone sul-sul: o processo da expansão territorial. A globalização, tal qual nos moldes atuais, começada em tempos romanos e modificada na história transformou línguas em mercadorias. E no Mercosul o estado da arte não é diferente, a mercantilização das línguas, tal como menciona Rajagopalan (2004), faz do espanhol uma boa pedida para os brasileiros e do português o diferencial dentre aqueles que têm como língua materna o espanhol.
O ensino de língua portuguesa e espanhola como línguas estrangeiras é crescente no Mercosul. Mas esse processo ainda não atingiu o guarani. Cursos de guarani como língua estrangeira não são anunciados em outdoors no Brasil, na Argentina ou no Uruguai, nem existem escolas especializadas, fora do Paraguai, para ensinar o idioma. Por que as pessoas não se interessam em aprender o idioma guarani, já que é ele “tão” oficial “quanto” o português e o espanhol? Aliás, qual o real interesse do senso comum na cultura paraguaia? No Brasil, sustenta-se o mito de que a terra é apenas lugar de falsificação e muambas.
O guarani, penso, como língua oficial do Mercosul, às vezes, não passa de um ato alegórico na tentativa de minimizar a perseguição e massacre indígena que foi recorrente em toda a história da América Latina, como bem vimos exemplificada na resenha acima.
Enquanto produto, o guarani não é interessante e não convém vendê-lo para além das fronteiras guarani. A que esse desinteresse se deve? Ao fato de que no Paraguai há a língua espanhola que supre muito bem essa comunicação com as demais nações do bloco? Ou ao desinteresse mesmo pela cultura do país?
Esperamos manifestamente que as decisões e propostas presentes na ata da XXIII Reunião de Ministros da Cultura do Mercosul, mesma reunião que oficializou o guarani como idioma do bloco, sejam postas em prática.
O discurso oficial agora com que depara aqueles discursos formadores da nação paraguaia, sobre o qual falamos no tópico anterior, é oposto à crença de que a cultura nativa é inferior:
Os Ministros, Ministras e as Autoridades Máximas presentes à reunião:
Consciente das forças das expressões simbólicas de suas culturas;
Convictos de que, para a construção de uma cultura de paz da qual sejam beneficiados todos os povos, é necessário proteger e promover a diversidade cultural;
Desejosos de que a Cultura seja reconhecida como força propulsora do desenvolvimento, devendo estar entre as preocupações centrais das agendas do Governo de seus países, tal como estabelecida na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1948;
Sabedores de que o papel do Estado é criar condições para que a sociedade seja protagonista e beneficiária dos processos culturais, de modo a usufruir da qualidade de vida desejada por todos e lograr a plena realização de suas potencialidades humanas;
Receberam (...)[7] (Grifos meus)
            Os Ministros(as) “concordam que é necessário conhecer as características do setor cultural em cada país”, “manifestam a importância de incentivar o intercâmbio de experiências das pessoas ligadas a área cultural, bem como de bens, serviços e conteúdos culturais” e “congratulam o Paraguai por ter aprovado a Ley Nacional de Cultura nº 3051[8], que cria a Secretaria Nacional de Cultura como órgão de nível ministerial”[9]
            Esperamos que o Paraguai, com tal Lei, contribua na divulgação de sua própria cultura e que a Secretaria não seja apenas mais um órgão público caracterizado pelo comodismo. Esperamos das demais nações o (re)conhecimento de uma cultura de que a história muitas vezes é compartilhada.
            Mas sabemos que a esperança não deve se projetar apenas sobre as instâncias oficiais do bloco, deve-se ter em consideração que a visão do senso comum é um construto que leva gerações para ser modificada e que talvez nunca se modificará.
            Diante de tudo que foi discutido, ainda resta uma dúvida: a oficialização do guarani como língua do Mercosul é um fato de que devemos nos honrar? Afinal ela coroa a desigualdade lingüístico-cultural do Paraguai frente seus aliados.

Referências Bibliográficas


DECLARAÇÃO SOBRE A INTEGRAÇÃO CULTURAL NO MERCOSUL publicado em 24/11/2006. Acessível em: http://www.cultura.gov.br/mercosur/?p=57


LEI NACIONAL DE CULTURA Nº 3051. http://www.cultura.gov.br/mercosur/wp-content/uploads/2007/05/paraguay_ley_nacional_cultura.pdf  (Último acesso 25/07/2008)

MELIÀ, B. La lengua guarani del Paraguay: historia, sociedad y literatura. Madri: Mapfre, 1992

RAJAGOPALAN, K. Línguas nacionais como bandeiras patrióticas, ou a lingüística que nos deixou na mão: observando mais de perto o chauvinismo lingüístico presente no Brasil. In: LOPES DA SILVA, F., RAJAGOPALAN, K. (orgs.) A lingüística que nos faz falhar: investigação crítica. São Paulo: Parábola, 2004.

RODRÍGUEZ-ALCALÁ, C. O sentido público no espaço urbano: a questão da língua. 2002. Disponível em: http://www.unicamp.br/iel/hil/publica/relatos_07.html (Último acesso: 25/07/2008)

RUBIN, J. National Bilingualism in Paraguay. Haia: Mouton, 1968.



[1] DECLARAÇÃO SOBRE A INTEGRAÇÃO CULTURAL NO MERCOSUL

publicado em 24/11/2006. Acessível em: http://www.cultura.gov.br/mercosur/?p=57
[2] op. cit.
[3] op. cit.
[4] op. cit.
[5] E sobre o assunto muito bem disserta Zuccolillo (2000)
[6] Rubin (1968). National Bilingualism in Paraguay
[9] Ver nota 7

terça-feira, 30 de outubro de 2012

A origem da linguagem e o sujeito


Saussure, Freud e Durkheim invertem (...) a perspectiva que faz da sociedade o resultado do comportamento individual e insistem em que o comportamento é possibilitado por sistemas sociais coletivos que os indivíduos assimilaram, consciente ou inconscientemente (Culler, p. 62, 1979).


Origem da linguagem: inanidade da questão (...)
[não há nenhum momento em que a gênese difira
caracteristicamente da vida da linguagem
e o essencial é ter compreendido a vida]
(Saussure, in: Boquet e Engler, p. 196, 2002)


Na epígrafe que abre esta reflexão, deparamo-nos com a ideia saussuriana de que a origem e a vida da linguagem não se diferem.
Nas notas das famosas três conferências, reunidas nos Escritos de Linguística Geral (Boquet e Engler, 2002), o genebrino demonstra que as línguas seguem dois princípios universais: o da continuidade e o da mutabilidade. Estes são ilustrados pela passagem do que se chama de latim para o que se chama de francês: o francês não pode ser considerado uma língua diferente do latim, senão que se trata do próprio latim em outro estágio.
...outra locução figurada que vamos justiçar (...) é do francês, língua filha do latim, - ou do latim, língua mãe das línguas românicas.
Não existem línguas filhas nem línguas mães, não existe em parte alguma e nem jamais existiram. Há, em cada região do globo, um estado de língua que se transforma lentamente, de semana em semana, de mês em mês, de ano em ano e de século em século, (...) mas nunca houve, em parte alguma, parturição ou procriação de um idioma novo por um idioma anterior, isso é estranho a tudo o que vemos, assim como a tudo o que podemos nos representar em ideias, sendo dadas, simplesmente, as condições em que falamos, cada um a nossa língua materna (p. 134)
Deste modo, o valor heurístico que Saussure dá à origem da linguagem é o mesmo que o de seu corte sincrônico de análise: sincronia explica diacronia (e vice-versa), assim como vida explica mutuamente a origem da linguagem. Por ser a origem da língua e da linguagem um lugar inalcançável, sobre ela sempre recairão inúmeros mitos (religiosos e pagãos) e especulações (científicas ou filosóficas).
De modo geral, constituiu-se a ideia de que a origem parece ter guardado todos os segredos do desenvolvimento das línguas (Labjor, 2001; Jiquilin-Ramirez, 2012). É nela em que se encontra a chave para os enigmas da cognição, da comunicação, da linguagem e do pensamento.
Esta pressuposição transforma ingenuamente a origem no lugar imaculado, puro, estanque, universal, natural, autêntico e essencial. Conforme ainda argumentarei e ressaltando as ideias de Saussure, a origem é tão proteiforme quanto à vida dinâmica da linguagem.
Deixemos, por ora, em suspense nosso olhar sobre a origem e reflitamos sobre a vida da linguagem. É necessário que voltemos nossa reflexão para o motor que faz funcionar o caráter continuativo e mutável das línguas vivas[1].
Para o pai da Linguística moderna, este motor são os indivíduos:
A língua nasce, cresce, definha e morre, como todo ser organizado. Essa frase é absolutamente típica da concepção tão difundida, mesmo entre os linguistas, que é combatida a exaustão e que levou diretamente a fazer da linguística uma ciência natural. Não, a língua não é um organismo, ela não é uma vegetação que existe independentemente do homem, ela não tem uma vida que implique um nascimento e uma morte. Tudo é falso na frase que eu li: a língua não é um ser organizado, ela não morre por ela mesma, ela não definha, ela não cresce, na medida em que não tem uma infância, assim como não tem uma idade madura ou uma velhice e, por fim, ela não nasce (grifos meus, p. 135).
Por extensão, a coletividade assume o papel fundamental para o princípio universal de todas as línguas: “A linguagem é um fenômeno: é o exercício de uma faculdade que existe no homem. A língua é o conjunto de formas concordantes que esse fenômeno assume numa coletividade de indivíduos e numa época determinada” (grifos meus, p. 115).
Desta relação homem-língua, Saussure[2] nos permite uma das primeiras reflexões do papel individual, em contraposição ao papel coletivo para a mudança e continuidade da língua: a língua afeta o sujeito, mas o sujeito não consegue afetar a língua, na medida em que, enquanto solitário, sua força de mutação e continuação linguística é nulo. Em notas: “... toda espécie de valor, mesmo usando elementos muito diferentes, só se baseia no meio social e na força social. É a coletividade que cria o valor, o que significa que ele não existe antes e fora dela, nem em seus elementos decompostos e nem nos indivíduos” (p. 250).
O sujeito, já em Saussure, configura-se numa espécie de meio de campo da língua. Por um lado, ele constitui um coletivo, mas, por outro, a língua (e a ideologia) o constitui qua indivíduo. E se é o coletivo (seja em forma de luta de classes, conforme prefere os marxistas) o motor dos princípios das línguas, qual a sua força qua sujeito real?
Esta indagação também parece tê-lo perturbado:
Os fatos linguísticos podem ser tidos como o resultado de atos de nossa vontade? Tal é, portanto, a questão. A ciência da linguagem, atual, lhe dá uma resposta afirmativa. Só que é preciso acrescentar, imediatamente que há muitos graus conhecidos, como sabemos, na vontade consciente[3] ou inconsciente: ora, de todos os atos que se poderia pôr em paralelo, o ato linguístico, se posso chamá-lo assim, tem a característica [de ser] o menos refletido, o menos premeditado e, ao mesmo tempo, o mais impessoal de todos. Há uma diferença de grau que, de tão longe que vai, dá, há muito tempo, a ilusão de ser uma diferença essencial, mas não passa, na realidade, de uma diferença de graus (p. 132).
Contemporaneamente, Freud e Durkheim, na visão de Culler (1979), também lançam mão do mesmo problema:
A Sociologia, a Linguística e a Psicologia psicanalítica só são possíveis quando se tomam os significados que estão ligados aos objetos e ações na sociedade vista como uma realidade primária, diferenciando-os, como fatos que devem ser explicados. E desde que os significados são um produto social, a explicação deve ser levada a cabo em termos sociais. É como se Saussure, Freud e Durkheim tivessem perguntado: “o que torna possível a experiência individual? O que habilita os homens a operar com objetos e ações significativos?” E a resposta que eles postulam era as instituições sociais, que, embora sejam formadas pelas atividades humanas, são as condições da experiência. Para compreender a experiência individual, cumpre estudar as normas sociais que a tornam possível (p. 61-2).
Mais de meio século adiante, Pêcheux traz à baila a noção de interdiscurso, formação discursiva, formação ideológica e formação imaginária[4]. Aparatos de análise que corroboram as ideias seminais de nosso mestre: “esse sujeito que, por um lado, não é a origem de seu dizer, é assujeitado à ideologia dominante e é afetado inconscientemente pelos saberes próprios de uma determinada Formação Discursiva, na qual se inscreve prioritariamente; por outro lado, é um sujeito responsabilizado juridicamente pelo discurso que produz” (Silveira, p. 71, 2004).
Chegamos, então, a uma questão de ovo-galinha, tal qual àquela de vida e origem: se o falante “hospeda” a língua/ideologia, se a língua/ideologia constitui o falante, como seria possível vencer esta força coercitiva e proporcionar mudanças/continuidades? Em outras palavras, como um fato linguístico/ideológico deixa de ser individual e passa a ser coletivo? Usando termos genebrinos: parole e langue são comensuráveis? Quando a parole atinge a langue?
Passemos, então, a análise de alguns casos anedóticos em que o falante pretende lutar contra a injunção linguística. É muito comum em grupos minoritários uma luta empreendida contra a língua no que diz respeito às injúrias que tais grupos sofrem.
Podemos recorrer ao exemplo da nomeação das etnias indígenas no Brasil. O nome com que as comunidades indígenas ficaram amplamente conhecidas, muitas vezes, era lhes atribuída por uma tribo inimiga ou, o que era mais frequente, pelo homem branco. Dentre o vasto repertório nacional, quero trazer dois casos, um de fracasso e outro de êxito, quanto à mudança de nomes.
Os bororo, povo que habita o estado do Mato Grosso, receberam essa denominação dos colonizadores portugueses, que num primeiro contato, ao perguntarem aos gentios onde se localizavam, ouviram como resposta “bororo”, que naquela língua significa “pátio da aldeia”. Até os dias de hoje, os bororos[5] são oficialmente chamados assim, muito embora, dentro da própria comunidade eles se autodenominam “Boe”. Já não é o caso dos Krenak, localizados em Minas Gerais, que receberam a classificação genérica dos brancos como “aimorés”, nome também usado para outros grupos, e que depois o tiveram mudado para “botocudos” (aquele que usa botoques nos lábios e/ou nas orelhas), também comum a outros povos, e que nos dias de hoje são oficialmente identificados pela sua autodenominação.
Nestes casos, por que a vontade do falante, em uma ocasião, prestou para a mudança do nome e em outra não? Por que em alguns episódios a palavra consegue vencer o nível do indivíduo (ou de sua comunidade) e consegue se transformar coletivamente?
Vejamos mais alguns exemplos.
A teoria queer, da qual Butler é uma das precursoras, surge de uma reapropriação do termo “queer”, como nos descreve Colling (p. 01, 2001): “Queer pode ser traduzido por estranho, talvez ridículo, excêntrico, raro, extraordinário, diz Louro (2004, p. 38). A ideia dos teóricos foi a de positivar esta conhecida forma pejorativa de insultar os homossexuais”. O que o trabalho de Oliveira e Conceição (p. 09-10, 2009) também descreve:
É no plano da contestação a (...) heteronormatividade que surgem as contestações queer (em inglês, pode ser traduzido como estranho, esquisito, mas também como um insulto dirigido a homossexuais e trans). Este termo que é inicialmente uma injúria visa interpelar e inferiorizar quem por esse termo é nomeado. A ressignificação a que (...) foi sujeito implicou uma reapropriação da historicidade desse termo, citando esse passado injurioso, mas através da ressignificação, o termo passa a ter uma carga de contestação colectiva.
O movimento negro estadunidense também provou desta ressignificação injuriosa. O vocábulo negro ganhou uma cunhagem mais neutra com relação ao racismo, depois do conhecido pronunciamento de Luther King[6] em 1909. E o termo black foi, posteriormente, reapropriado por Malcolm X: “Le Negro est le Noir d’avant l’éveil aux droits civiques (Malcolm X, [...]), le black est le Noir depuis la lutte pour les droits civiques” (Bonnet, 2011).
Mais um exemplo que cabe mencionar na história da língua[7] é o aparecimento de duplos lexicais, os chamados doublets. Trata-se de dois itens lexicais, um de origem popular e outro culta, que têm a mesma etimologia. A forma popular é aquela que se transformou paulatinamente na história do idioma, de acordo com os princípios universais de continuidade e mutabilidade descritos por Saussure; a segunda foi inserida tardiamente na língua e incorporada de maneira muito rápida pelos falantes. Quanto à semântica desses vocábulos é frequente que eles não tenham o mesmo significado, existe uma especialização que bifurca os seus sentidos: em alguns casos, uma das palavras conserva o étimo mais antigo e a outra se distancia (ex: artigo/artelho), em outros casos, o valor do étimo se divide (ex: mácula/mancha). Conforme descreve Calvi e Gifre (1997), a forma popular presta-se para os sentidos mais concretos, enquanto que a culta denota os sentidos mais abstratos (ex: sigilo/selo, rotundo/redondo). Vale chamar a atenção para a maneira como o cultismo lexical surge na língua:
Podríamos decir que ha habido unos canales que favorecen estas integraciones, como la lengua de la administración, con base en el latín jurídico; o bien la lengua de la enseñanza y de la Iglesia, con base en el latín eclesiástico; o bien la lengua literaria. En los tres casos se trata de usos cultos de la lengua, que favorecen o cultivan un respeto al prestigioso y constante modelo del latín. Importa que el estudiante entienda que la adopción de cultismos no se detuvo en un momento ya muy alejado de hoy, sino que la constante necesidad denominadora para los avances técnicos y científicos es pretexto suficiente para acercarse a los valores y formas etimológicos (p. 227-8).
Em todos os exemplos apontados, notamos a intenção individual da mudança lingüística e contextos políticos bem específicos. Conseguimos prever todos os estágios prévios do qual deriva a vontade de transformar o léxico[8]. Não há nenhuma criação ex nihilo, como diria Saussure ao abordar o fenômeno da analogia. Embora não se trate de analogia, todas as mudanças apontadas partiram de um estado prévio: nomes que não caracterizam os índios, injúria que ofende categorias de orientação sexual e identidade de gênero, termos que tentam esvaziar um conteúdo racista e léxico que surge para cumprir às necessidades das elites.
Na contrapartida, poderíamos nos lembrar de inúmeros casos de fracasso em que o que é da ordem do individual não consegue romper a barreira da langue: gírias adolescentes, cacos de novelas, jargões técnicos etc.
Dessa forma, se a língua/ideologia determina o sujeito, não é senão a partir da própria língua/ideologia que surge o desejo pela mudança.
Para tentar entender os fracassos e os sucessos individuais devemos caminhar pragmaticamente nas noções de língua e sujeito até então esboçados.
Para Saussure, a linguagem é heterogênea e a língua é homogênea, portanto passível de análise (CLG, p. 08 e 23). Diante de uma noção de língua homogênea, como se pode mover a individualidade e a coletividade? A solução foi atribuir a individualidade a parole e a coletividade a langue, de modo que a homogeneidade da língua se mantivesse intocada. É neste sentido, que Saussure é acusado de ter negligenciado o sujeito, pois, para que a língua pudesse ser analisada em seu sistema, o que é externo não pôde fazer parte do escopo de interesse. Assim, a exterioridade e o uso são abstraídos, neste então.
Rajagopalan (1998) aponta no decorrer da história da linguística teórica a mesma inquietude de nosso mestre genebrino, quando este tenta esboçar a noção de “uma língua”. Saussure não é capaz de delimitar o nascimento e a morte de uma língua no curso de seu desenvolvimento.  Ele fala sobre “uma língua”, mas sem defini-la, de modo que entende que há “uma língua”, em diversos estágios, cuja nomeação é arbitrária:
O essencial é compreender que podemos dar um nome só ao período de vinte e um séculos, denominando-o latim – ou então dois nomes, denominando-o latim e francês – ou então três nomes, denominando-o latim, românico e francês – ou então vinte e um nomes, denominando-o latim do século II antes de Cristo, do século I antes de Cristo, do século I depois de Cristo, dos séculos II, III, IV, VII, XII, XV, XIX depois de Cristo. E que não existe, literalmente, nenhum outro modo de introduzir uma divisão, além dessa maneira totalmente arbitrária e convencional (p. 143-4).
O indiano afirma que esta tradição em não poder definir “uma língua” assombra a linguística até os dias de hoje e sua repercussão foi sentida em todo o estruturalismo. Enquanto Sapir e Saussure tratam da língua num sentido genérico (langue), para Chomsky ela só existe via gramática universal. O papel do sujeito, como podemos prever, permaneceria relegado, pois se não sabemos o que é “uma língua”, o que poderíamos entender por “o falante de uma língua”?  Nas palavras de Rajagopalan: “... acontece que ‘um falante-ouvinte ideal numa comunidade de fala completamente homogênea ... [e tudo o mais]...’ (Chomsky, 1965, p. 03) é apenas isso: ideal. Os homens e mulheres reais que caminham sobre a face da terra estão muito distantes daquele ideal” (p. 25).
Por se tratar de um sujeito ideal e uma língua homogênea/ideal, chegamos facilmente à noção de pureza linguística: o falante nativo, uma espécie de “bom selvagem”, só produz elocuções autênticas, apenas frases gramaticais.
Neste contexto, para atender aos critérios de sujeito ideal, o sujeito real não poderá ser nem a criança, já que ainda não alcançou a maturidade do interdiscurso, não poderão ser os surdos, pois seu midium comunicativo se desvia aos das maiorias, não poderá ser um primata inferior, pois sua comunicação é rudimentar demais, tampouco poderá ser o de um falante de línguas pidgins ou crioulo, pois são línguas imaturas. Nenhuma gramática poderá ser produzida advinda de dados destes sujeitos, já que eles não atendem aos critérios de homogeneidade.
Deste ponto até os dias atuais, a linguística teórica avançou bastante e o sujeito, como dei indícios anteriormente, foi retomado e se tornou bastante fundamental para a constituição de novas áreas da Linguística, como a Análise do Discurso e a Pragmática.
Depois deste breve sobrevoo, já é hora de voltarmos à questão da origem. Encontramo-nos com elementos suficientes para dar continuidade à discussão que deixei em suspense.
Aqui, vida e origem coincidem. Ao tratar de um sujeito ideal falante de uma língua homogênea, também somos levados a pensar em sujeitos originários ideias. Da mesma maneira como esperamos que os falantes vivos sejam sujeitos puros (i.e. aquele que produz gramáticas autênticas), esperamos que sujeitos originários respondam a única fonte da linguagem. Acrescentaria a origem nesta seguinte conclusão de Rajagopalan: “a ideia de autenticidade acaba se revelando como o único tema comum por trás do ‘bom selvagem’ de Rousseau, do ‘falante-ouvinte ideal’ de Chomsky, das ‘pessoas reais’ de Yngve, do ‘usuário ideal da língua’ de Bakhtim e do ‘único fenômeno real’ de Austin. O que se busca, em todos esses casos, é o verdadeiro nativo na plenitude de sua autenticidade” (p. 35).
Na origem, o homem é facilmente associado ao “bom selvagem” e vieses biologicizantes contribuem ainda mais para defender os desenvolvimentos naturais das línguas e linguagem humanas. O que vemos estar na contramão da cultura.
Talvez, tendo em conta uma noção de indivíduo proteiforme e em constante fluxo, para além de sujeitos reais ou ideias, possamos entender o seu poder nas mudanças e continuidade das línguas: os indivíduos mudam assim como a língua e a ideologia muda.
Devemos reconhecer, por fim, que Saussure, brilhantemente esteve preocupado com a força individual dos falantes, como podemos notar com seu cuidado em não categorizar “uma língua” ou em pensar na constituição do sujeito pela língua/ideologia, como demonstrei ao longo desta reflexão. No entanto, a decisão radical de um Saussure em constante reformulação tornou-se publica no Curso: uma concepção de língua homogênea. Isto, no entanto, não invalida seu pensamento genial. Ele reconhece essa utopia pela autenticidade: “quanto mais se estuda a língua, mais se chega a compreender que tudo na língua é história, ou seja, que ela é um objeto de análise histórica e não de análise abstrata, que ela se compõe de fatos e não de leis, que tudo que parece orgânico na linguagem é, na realidade, contingente e completamente acidental” (p. 131).
 Saussure ainda diz: “É a coletividade que cria o valor, o que significa que ele não existe antes e fora dela, nem em seus elementos decompostos e nem nos indivíduos” (já citado). E Rajagopalan ratifica:
       A identidade de um indivíduo se constrói na língua e através dela. Isso significa que o indivíduo não tem uma identidade fixa anterior e fora da língua. Além disso, a construção da identidade de um indivíduo na língua e através dela depende do fato de a própria língua em si ser uma atividade em evolução e vice-versa. Em outras palavras, as identidades da língua e do indivíduo têm implicações mútuas. Isso por sua vez significa que as identidades em questão estão sempre num estado de fluxo (grifos meus, p. 41-20).

Posto isso, gostaria de modificar nossa epígrafe de abertura para: “Individualidade na linguagem: inanidade da questão. Embora haja muitas forças coercitivas na individualidade da linguagem não há nenhuma que não passe completamente inerte a coletividade da linguagem e o essencial é tê-las compreendido mutuamente”.
Ao dar visibilidade ao sujeito, não devemos afugentar a angústia do falante insatisfeito, como nos casos anedóticos apontados, sustentando que ele não tem forças para mudar a língua. Ele pode, é difícil vencer a barreira do coletivo, mas ele pode. Ele não pode, mesmo sendo constituído pela língua, se assujeitar sempre, quando na realidade, a língua/ideologia o oprime. Ao invés disso, à guisa de conclusão, prefiro aconselhá-lo num tom freiriano:
Eu recuso qualquer posição fatalista diante da história [...]. Eu não aceito, por exemplo, expressões como 'É uma pena que haja tantos brasileiros e tantas brasileiras morrendo de fome, mas, afinal, a realidade é essa mesma'. Não! Eu recuso, como falsa, como ideológica, essa afirmação. Nenhuma realidade 'é assim mesmo': toda realidade está aí, submetida à possibilidade de nossa intervenção nela” (FREIRE, 1997, 5'10'').

Referências
BONNET. “Don’t call me Nigger, Whitey” L’autodésignation de la communauté afro-américaine et la construction identitaire. Communication [En ligne], Vol. 28/2 | 2011, mis en ligne le 27 juillet 2011, Consulté le 05 juillet 2012. URL : http://communication.revues.org/index1803.html

CALVI e MARINELL GIFRE. Los dobletes léxicos em la enseñaza del español a extranjeros. VIII COngreso Internacional de ASELE. Acalá de Henares, 17-29 set, 1997. La enseñaza del español como lengua extranjera: del passado al futuro. Ed. De F. Moreno et al. Salamanca: Universidad de Salamanca, 1998. 227-239

COLLING. Teoria queer. (2001). Disponível em : www.cult.ufba.br/maisdefinicoes/TEORIAQUEER.pdf  

CULLER. As ideias de Saussure. São Paulo: Cultrix, 1979

FREIRE, Paulo. Paulo Freire: última entrevista. São Paulo: TV PUC de São Paulo. Disponível em http://www.paulofreire.ce.ufpb.br/paulofreire/Controle?op=detalhe&tipo=Video&id=622, 1997.

JIQUILIN-RAMIREZ. O que nos revela o povo hadza: o desejo do linguista. 2012. Disponível em: http://oquevcfazcomasualingua.blogspot.com.br/2012/04/o-que-nos-revela-o-povo-hadza-o-desejo.html

LABJOR. A origem e o destino das línguas. 2001. Disponível em: http://www.comciencia.br/reportagens/linguagem/ling08.htm

OLIVEIRA and  NOGUEIRA. Introdução: Um lugar feminista queer e o prazer da confusão e fronteiras. Ex aequo [online]. 2009, n.20 [cited  2012-07-05], pp. 9-12 . Available from: <http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0874-55602009000200002&lng=en&nrm=iso>. ISSN 0874-5560.

PÊCHEUX. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas: Editora da Unicamp, 1988.

RAJAGOPALAN. O conceito de identidade em lingüística: é chegada a hora de uma reconsideração radical? In: SIGNORINI, Inês (org.). Lingua(gem) e Identidade: elementos para uma discussão no campo aplicado. Campinas, SP: Mercado de Letras; São Paulo: Fapesp, 1998. p. 21-46.

SAUSSURE. Curso de Lingüística Geral. 23ª ed. BALLY, C.; SECHEYAHE, A. (orgs.) Trad. A. Chelini, J. P. Paes e I. Blikstein. São Paulo: Cultrix, 2001 [1916].

______.  Escritos de Lingüística Geral. BOUQUET, S.; ENGLER, R. (orgs.). São Paulo: Cultrix, 2004.

VERLI, F. P. da S. Algumas reflexões sobre o sujeito nos estudos da linguagem. In: Línguas e Instrumentos Lingüísticos, n. 13/14. Campinas, SP: Pontes, 2004, p. 65 – 74.




[1] Vivas no sentido de que não sofreram a morte violenta, única morte possível para Saussure. Assim, não consideramos o latim ou o grego, p. ex., como línguas mortas.
[2] Não acredito que Saussure tenha negligenciado de todo o sujeito, como reivindicam muitos historiadores das ideias e analistas do discurso (ver Silveira, 2004.). Como tento demonstrar, o indivíduo tem seu lugar nos escritos saussurianos. No entanto, o que difere em Saussure para os seus sucessores é a concepção de sujeito e seu foco.
[3] Entendemos o termo “consciente”, neste insight, como a vontade ou intenção de algo. Ainda não exatamente com o sentido proporcionado pos Freud.
[4] Não trataremos destes conceitos aqui. Para um melhor aprofundamento ver Pêcheux (1988).
[5] Boe-bororo tem sido usado recentemente também.
[6] I have a dream (1909)
[7] Das línguas românicas em específico
[8] Poderia citar ainda o caso de movimentos transgêneros e não-cisgêneros que já apagam de sua escrita os morfemas masculinos e femininos.