Made, como costumo chamá-la carinhosamente, nos recomenda nada mais nada menos que o escritor tcheco Millan Kundera em sua recente obra de 2000 intitulada "A Ignorancia".
Eis suas impressões, uma breve sinopse e uma linda passagem em que o autor fala sobre a palavra "saudade" em algumas línguas. É interessante notar que este livro desmascara o mito de que "saudade" só existe em português.
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O eixo central deste breve
romance é a "saudade", mas não qualquer saudade, mas sim a que sente
aquele que se vê forçado a emigrar por motivos, dentro outros, políticos. A
saudade dada aos anos que se passaram e ao confronto do período vivido fora com o
período da vida das pessoas que ficaram na pátria. Confronto do que é, do que
foi e do que pudesse ter sido em outras circunstâncias. Dentro de uma reflexão
filosófica costumeira nos livros que li de Kundera, a comparação desta saudade
dos personagens com a saudade de Ulisses e seu regresso a casa, assim como a
análise linguística do termo em vários idiomas foi o que mais me cativou deste
pequeno livro muito mais recomendável.
Sinopse da edição:
Uma mulher e um homem se
encontram por casualidade quando ambos realizavam a viagem de retorno ao país do
qual haviam emigrado 20 anos atrás. Poderão empreender novamente uma curiosa historia
de amor iniciada na então terra natal? Acontece que, depois de tão longa
ausência, suas lembranças não se assemelham. Porque nossa memória, a pobre, o que pode fazer? Só é capaz de reter
do passado uma miserável pequena parcela sem que ninguém saiba por que
precisamente essa e não outra? Vivemos mergulhados num imenso esquecimento, e
não queremos saber dele. Somente aqueles que, como Ulisses, voltam depois de
vinte anos a sua Ctaca natal podem ver de perto, atônitos e deslumbrados, à
deusa da ignorância.
Recorte:
Em grego, "retorno" se
diz nóstos. Álgos significa "sofrimento".
A nostalgia é portanto o sofrimento causado pelo desejo irrealizado de
retornar. Para esta noção fundamental, a maior parte dos europeus pode utilizar
uma palavra de origem grega (nostalgia) e, além disso, outras palavras com raízes
na sua língua nacional: "añoranza", dizem os espanhóis; "saudade",
dizem os portugueses. Em cada língua, estas palavras possuem um matiz
semântico diferente. Muitas vezes significam apenas a tristeza causada pela
impossibilidade do regresso ao país. Recordação
dolorosa do país (Morriña del terruño). Recordação dolorosa do lugar (Morriña del hogar). O que, em inglês, se diz: homesickness. Ou em alemão: Heimweh. Em holandês: heimwee. Mas trata-se de uma redução
espacial da grande noção. Uma das mais antigas línguas europeias, o islandês,
distingue bem os dois termos: söknudur, nostalgia no sentido geral; e heimfra:
recordação dolorosa do país. Os checos, a par da palavra nostalgie vinda do grego, têm para a noção o seu próprio
substantivo, stesk, e o seu próprio
verbo; a mais comovente expressão de amor checa: styska se mi po tobe: "tenho
nostalgia de ti"; "não posso suportar a dor da tua ausência". Em
espanhol, añoranza vem do verbo añorar (ter nostalgia), que vem do
catalão enyorar, derivado, por seu
turno, da palavra latina ignorare
(ignorar). A esta luz etimológica, a nostalgia aparece como o sofrimento da
ignorância. Tu estás longe, e eu não sei
o que te acontece. O meu país está longe, e não sei o que se passa lá.
Certas línguas têm algumas dificuldades com a nostalgia: os franceses só pode
exprimi-la por meio do substantivo de origem grega e não têm o verbo para ela;
podem dizer je m´ennuie de toi, mas o
verbo s´ennuyer é fraco, frio e seja
como for demasiado ligeiro para um sentimento tão grave. Os alemães raramente
utilizam a palavra "nostalgia" na sua forma grega e preferem dizer Sehnsucht: desejo do que está ausente;
mas Sehnsucht pode visar de igual
modo tanto o que foi como o que nunca foi (uma nova aventura), e, por isso, não
implica necessariamente a ideia de um nóstos;
para se incluir na Sehnsucht a
obsessão do regresso, seria preciso acrescentar um complemento: Sehnsucht nach der Vergangenheit, nach der
verlorenem Kindheit, ou nach der resten Liebe (desejo do passado,
da infância perdida, do primeiro amor).
Gracias miles! "Sabé loo"!
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