terça-feira, 19 de junho de 2012

Como colaborar com o "português" de meus amigos





No texto de hoje, trago uma questão já batida em Linguística (e também já bastante comentada nos meios de divulgação de Linguística). Aqui no blog, já toquei neste assunto aqui e aqui. No entanto, é sempre preciso voltar ao debate, tanto porque é contra uma ideologia poderosa que temos de argumentar (e ela não vai desaparecer tão cedo) quanto por se tratar de um assunto de que quase todo mundo gosta de ouvir: o preconceito linguístico.
Como verão, nesta postagem vocês vão encontrar uma discussão informal, retirada de um fórum no FB sobre o preconceito linguístico. O mote foi levantado por uma pessoa de curso superior em Engenharia Mecânica e as réplicas e tréplicas, além de envolverem o próprio criador do tópico, são tecidas por pessoas também de formação universitária, sendo dois deles linguistas (menciono suas formações para deixar evidente quais discursos sobre língua circulam entre os sujeitos).
Mantenho o anonimato do criador do tópico (a quem identifico pela sigla JM), como também de alguns outros membros do fórum para dar enfoque à ideia (e não ao indivíduo – até porque o sujeito dessa ideia poderia ser qualquer José, João, Giberto). Por outro lado, mantenho o nome dos linguistas, Jefferson Voss e Jiquilin, para dar crédito à autoria dos conteúdos.
Como perceberão, o preconceito linguístico sempre deve ser trazido à baila, já que 35 pessoas curtiram o post linguisticamente preconceituoso e mais uma porção de gente fez comentários de mesmo tom.
Boa leitura!


MOTE

Post educativo 1:

1) A abreviaçao
(sic) de "horas" é SEMPRE apenas "h", independente se sao (sic) 300.000 horas. O certo é 300.000 h, certo, pessoal?

2) Se vc (sic) pensa em utilizar "mas" ou "mais" na sua frase, pense antes de utilizar qualquer um deles. Se puder substituir por porém, deve-se utilizar mas, nos outros casos, o correto é mais.
Exemplos:
- "Gostaria de estar em casa, () estou longe." Neste caso, pode-se utilizar porém que a frase continua perfeita, entao
(sic) o correto é "mas", isto é, "Gostaria de estar em casa, mas estou longe".
- "Estive () tempo lá." Neste caso, nao
pode-se (sic) utilizar porém que a frase fica sem sentido, entao (sic) o correto é "mais", isto é, "Estive mais tempo lá."

Vou fazer um post educativo toda sexta para colaborar com o português dos meus amigos. E nao to
(sic) julgando ninguém. Eu tive a oportunidade de aprender bem português e quero compartilhar esta oportunidade com quem nao (sic) teve.

Teh
(sic) o post da próxima sexta.

BOM DIAAAAAAAA!!!!
Por: JM

COMENTÁRIOS

NOTA: seguem os comentários. Tudo sic!

PL: Que bonitinho esse menino, gente ♥

RC: ISSO É O QUE MAIS DÓI DE OLHAR: "
2) Se vc pensa em utilizar "mas" ou "mais" na sua frase, pense antes de utilizar qualquer um deles. Se puder substituir por porém, deve-se utilizar mas, nos outros casos, o correto é mais."

GV: Então sempre tive dúvida em quando usar MENOS e MENAAAAS! me esprica? #não resisti =P

JM: Hahahahaha, GV, quem sabe esse nao seja o post da semana que vem, hahaha!

GV: ah, MAIS daí o post vai ficar muito fácil! XD

MK: Adorei q ideia! Aprovadissima! Vc arrasa sempre! Nossos olhos agradecem! Hahaha Ideia para o proximo post: ensina o povo a escrever COM CERTEZA? Hehehe

ON: Muito boa iniciativa, espero que muitos aprendam. Apenas não escreva MAIS (rs) "nao pode-se utilizar", porque com advérbio sempre se usa próclise. Portanto, o correto é escrever "não se pode utilizar".

JM: Arrasou, ON, vou me concentrar mais no próximo post, haha!
Eu nao me fixei nisso tudo, só escrevi e nem revisei, da próxima me esforçarei para que nao haja pequenos deslizes.

TC: Poxa gente, sem exageros também né? Eu concordo com o mas e mais, mas não precisamos ser tão ditadores com respeito a língua.

Lembremos Oswald de Andrade:

Pronominais

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro

Oswald de Andrade
(1890-1954)

JM: ‎TC, eu estou de acordo. Eu nao estou sendo tao normativo, sao coisas simples que podem ajudar em provas e concursos, inclusives. E eu entendi o que o ON quis dizer... Nao custa ter mais cuidado.

ON: Ontem eu li um "dês de já". Fiquei traumatizado.

FA: Arrasou. Dica para proximos posts: Agente e a gente. HAHAHAHAH

TC: Na verdade essas são discussões muito recorrentes entre linguistas. Eu estava lendo um texto do Ferreira Gullar esses dias sobre isso. Existem aberrações linguísticas que precisam ser corrigidas como nos casos de "ancioso" ou o "dês de já", "mas" e "mais". Só não podemos esquecer que a língua é versátil e flexível e, no final das contas, é feita pelos falantes. A gramática é resultado da língua e não o contrário. Enfim, é preciso ter mais cuidado sim, mas eu comentei mais pra dizer que a coisa não precisa ser tão restrita. Se todos seguíssemos a gramática à risca não não teria existido gênios como Guimarães Rosa dentro da nossa literatura. :D

JM: E eu sei disso,TC, a idéia é apenas fazer posts sobre esses erros mais recorrentes, que sao fáceis de aprender.

PT: muiiitooo beeeem, JM!! Aí sim !! Sem falar dos: "derrepente", "concerteza", "de mais" ... tempo de verbo, tipo: "eu assistir ontem" ou "eu vou assisti amanhã" !!
Tanta coisa q dói ... =/

TC: Sim, sim JM eu entendi a ideia e dou total apoio. Só decidi fazer uma ressalva sobre possíveis exageros. No mais eu tenho uma sugestão: "tem" e "têm", "vem" e "vêm". Vejo que quase ninguém utiliza esse acento pra distinguir o singular do plural desses dois verbos. Muitos nem sabem mesmo que existe essa distinção, outros pensam que esses acentos desapareceram com o a reforma ortográfica, o que não é verdade. :D

ON: Acho que fui mal interpretado. Eu entendi que o intuito das dicas do JM é mesmo esclarecer os erros mais gritantes que ocorrem nas redes sociais. Mas eu também acredito que posts com caráter de correção gramatical devem, sim, obedecer à norma padrão, mesmo no Facebook. Pra mim, passa muito mais credibilidade.
Minha intenção foi só dar uma dica de como poderiam ser escritos os próximos posts, não dar um puxão de orelha, até porque o JM é exímio escritor, que certamente já sabe a regra que eu postei e que deve saber mais sobre gramática do que eu. E eu concordo com tudo que você escreveu, TC. Acho até que as aulas de Português deveriam trocar um pouco essa visão purista e alienada da norma por uma visão mais flexível de quem já conhece a Língua que fala. Mas enquanto isso não acontece, né...

ED: Faz uma explicando quando se usa MIM e EU, por favor!

RM: Não se esqueça do "nada haver" e "tem haver" que fazem doer os olhos, e nem do "seje". Ah, subjuntivos também são problemáticos pra esse povo!

Jefferson Voss: Olha, Jiquilin, mas um Pasquale pra "salvar" o mundo... rs

JM: Eu nao quero "salvar" nada, Jeff! Dica.
Já deixei clara a minha intençao com esse post.
Just this: "Vou fazer um post educativo toda sexta para colaborar com o português dos meus amigos. E nao to julgando ninguém. Eu tive a oportunidade de aprender bem português e quero compartilhar esta oportunidade com quem nao teve"

;)

Jiquilin: Vou criar posts todas sextas sobre motores, pra educar meus amigos motoristas. Semana que vem o post vai falar de ignição.

JM: Olha, Jiquilin, é bem provável que vc saiba bem mais de motores do que eu, já que a Engenharia Mecânica (assim como a maioria dos cursos) é bem ampla e eu nao escolhi me especializar nessa área. Trabalho com próteses e implantes, que olha, de motores e igniçao nao tem nada.

Ahh, e mais, o facebook é livre e vc pode falar sobre o que vc bem entender! Se essa é a sua vontade, siga em frente.

Só quero que vcs entendam que nao me formei em letras e nem quero obrigar nada e nem ninguém a aprender nada. Lê quem quer, aceita quem quiser. Só nao gosto de ironias num post em que eu fiz com boa intençao e sem a intençao de ofender ninguém. Aliás, como tudo que faço na vida. Faço para viver bem, e nao para ofender ninguém. E se tenho qualquer espécie de problema, eu chego e discuto (no bom sentido, de uma discussao entre pessoas civilizadas) a minha opiniao divergente a respeito de qualquer assunto.
Everybody is free!
Só isso!
;)

Jefferson Voss: JM, tenho problemas com esse post e, como você mesmo sugeriu que fizéssemos, quero discuti-lo. Tentarei ser curto e grosso (sem ser tão grosso...) (e já adianto que não conseguirei ser curto: impossível para uma questão tão delicada como essa (agora que acabei de escrever, percebi que escrevi um artigo de 5 páginas... risos)).
Você não faz a mínima ideia a respeito do quanto esses “pitacos” leigos na área alheia são um desserviço total para tudo o que tal área (com seu um milhão de pesquisas anuais) luta pra tentar desconstruir.
E lidar com uma ciência próxima das humanas abordando um objeto que todo mundo usa durante todo o tempo e para tudo (a língua, as linguagens...) só pode resultar isso mesmo: já que todo mundo usa a língua, todo mundo se imagina especialista nela.
Você falou uma grande verdade: você não fez Letras e não é especialista na área. Em outras palavras: você não sabe bulhufas daquilo que se discute em Linguística Aplicada a respeito de COMO a norma padrão da língua precisa ser ensinada para que o ensino não resulte simplesmente uma amontoação de normas dizendo o que é CERTO e o que é ERRADO (é o chamado ensino normativo de gramática normativa e, eu acrescento, por pessoas normativas (infelizmente, é o que você fez)).
No Brasil, já faz um bom tempo (desde a década de 1980 mais ou menos, ou até antes disso) que tudo quanto é especialista da área tenta reorganizar o ensino de língua materna para que os professores sejam formados a partir de outra concepção de língua e gramática: uma concepção interacionista (baseada na gramática internalizada) que prevê, SIM, que a norma culta deva ser ensinada, mas que procura meios de ensinar a norma culta em contraste com as outras inúmeras variedades linguísticas. E o negócio é tão difícil de ser resolvido que, até hoje, o ensino lá nas escolas continua praticamente do mesmo jeito.
A concepção mais comum de língua e de gramática que existe (e, portanto, a leiga, ou seja, aquela do senso-comum que constitui você como indivíduo) é aquela que prevê a língua como um sistema de signos imutáveis que deve ser mantido e reproduzido e a gramática na condição de um conjunto de regras do “bem-falar”, do “bem-dizer” (do falar “bonito”, do escrever “bonito”). Outro ponto importante dessa concepção de língua é a herança cultural que ela perpetua: herança segundo a qual quem fala “bem” e escreve “bem” (esse “bem” entre muitas aspas) é aquele que “pensa bem”. No ensino e na vida cotidiana, isso acarreta atos discriminatórios: quem utiliza melhor a norma padrão é inteligente (cognitivamente superior), já quem não a utiliza é burro (cognitivamente inferior). A Linguística Aplicada tem um nome para isso: preconceito linguístico. Há, inclusive, uns livrinhos bem fáceis de ler que mostram como a língua (e as políticas linguísticas) é um mecanismo de dominação e de segregação cultural. É só procurar por Marcos Bagno, Maurício Gnerre, Irandé Antunes, Mario Perini, João Wanderlei Geraldi, Sírio Possenti etc. A lista de pesquisadores brasileiros que se dedicam só a estas questões é enorme!
Nós, professores e pesquisadores das ciências da linguagem, temos feito de tudo para que as coisas não se resolvam somente na base do “isso é certo, aquilo é errado”. Temos explicado, muitas e muitas vezes, fenômenos como o uso do “mais” a despeito do “mas”. E, mais que isso, temos tentado mudar as condições de ensino e estimular a apreensão de outras concepções de língua, linguagem e gramática que não gerem práticas de segregação e que não resolvam tudo na base do “Vê se aprende o jeito certo!”.
Dessa forma, incomoda (e muito mesmo, você não faz ideia o quanto...) qualquer um postando qualquer coisa (e ainda de uma posição de dominação/superioridade) sobre o que fazer e não fazer com a língua. Sabe qual é o pior de tudo? Você não é o único e, tampouco, é o culpado por isso. Você é condicionado histórica e ideologicamente a viver essa concepção de língua/linguagem/gramática. E boa parte dos brasileiros (praticamente todos) também o é. Não é à toa que muitas pesquisas revelam que a maioria dos brasileiros não admite que fala língua portuguesa (porque acham que língua portuguesa é outra “coisa”, aquela “coisa” que está naqueles “livros grossos com um monte de regras”) e, pior, a grandíssima parte do nosso povo simplesmente insiste em dizer que “português é difícil!” (mesmo falando português desde o berço!!!). As perguntas que ficam são: se esse português é difícil, de que “português” se está falando? Quais processos históricos de distribuição de saberes tornou esse português “difícil”?

Você não ofendeu ninguém, isso é fato (não me sinto ofendido com a falta de (in)formação das pessoas. Sou professor, preciso justamente educar). Mas você reproduziu muita coisa que, se soubesse um pouquinho da dificuldade que temos para lidar com essas questões e tentar revertê-las, nunca teria reproduzido, porque sei que você tem bom-senso. A intenção foi boa, mas, como diz o velho ditado: “De boas intenções, o inferno está cheio”. Gostaria até de alterar a fórmula e a especializar: “De boas intenções sobre a língua, nossos ouvidos (de linguistas) estão cheios (“cheios” no sentido de “fartos”)”, já que todo mundo acha que pode dar opinião sobre o que ensinar e como ensinar quando o assunto é língua (lembra da polêmica do “Livro do MEC” ano passado?).
Seu post é educativo? Depende de quem o lê (sorte sua que a grande maioria dos seus amigos no FB não tem formação na área de Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Materna e, infelizmente, comungam da mesma concepção de gramática que você...).
O FB é livre e se pode publicar o que bem entender? Falou pouco e falou tudo: o que BEM entender. Sinceramente, achei que você entende muito pouco. Tão pouco a ponto de só reproduzir o que toda pessoa “privilegiada” (porque aprendeu a norma padrão...) e intrinsecamente normativa reproduz: “escreva isso e não escreva aquilo”, “fale isso e não fale aquilo”, “faça CERTO e não faça ERRADO”, “seja INTELIGENTE, não seja BURRO”.
Everybody is free? De “free” essa posição que você defende em relação aos usos da língua não tem absolutamente nada: é a mais opressora, a mais batida, a mais etnocêntrica, a mais normativa e normatizadora e a mais alienada de todas.
Também não posso deixar de dizer que tenho a tendência a achar esse tipo de atitude um tanto quanto egoísta, egocêntrica e etnocêntrica: são pessoas que realmente sofrem ao serem obrigadas a lidar com as diferenças; realmente dói quando veem um “mais” aparecer onde DEVERIA POR LEI estar escrito “mas”. O que essas pessoas não entendem (ou fazem questão de não querer entender) é que: 1) o enunciado com “mais” no lugar de “mas” é efetivamente comunicativo (todo mundo que ler vai entender); 2) a pessoa que escreveu não conhece a “norma cristalizada pela gramática normativa”, mas conhece muito bem determinações fonológicas da língua que fala desde criança; 3) e, por não conhecer a norma e conseguir efetivamente se fazer entender, a pessoa está literalmente “cagando e andando” para aquilo que dói nos ouvidos normativos.
Outra coisinha: muito cuidado ao falar em “colaborar com o português dos meus amigos” e “eu tive a oportunidade de aprender bem português”!!! De que português você está falando? Acho que está falando da variedade padrão do português na modalidade escrita... Tanto que corto um braço meu se você também não pronuncia (utilizando a modalidade oral da língua) “mais” ao falar “mas”. Duvido muito mesmo que não o faça!
Mais uma outra coisinha: a questão de adequação é tudo! A gente precisa aprender a variedade padrão somente para alguns gêneros textuais. Por isso mesmo é que você não acentuou boa parte das palavras que escreveu em seu post e em seus comentários (ironicamente, você acentuou “ideia”, um exemplo do tal ditongo aberto das paroxítonas que não precisaria ser acentuado depois do acordo ortográfico). Não as acentuou porque se trata do gênero post e comentário em redes sociais: as condições sociais de emergência e uso do gênero definem a adequação linguística. Lá na sua tese de doutorado, você terá o dever de acentuar tudo, não é mesmo?
Espero ter sido bastante educativo também!

PS: o advérbio “mais” e a conjunção “mas” possuem a mesma pronúncia na modalidade oral da Língua Portuguesa falada no Brasil. A possibilidade de explicação que eu levantaria para esse fenômeno linguístico (o Jiquilin deve ter uma explicação bem melhor, já que ele é foneticista...) é que se trata da “lei do menor esforço”: na pronúncia de “mas”, a passagem do fonema vocálico aberto e central /a/ para o fonema consonantal constritivo fricativo /s/ é bastante dificultosa. Para suprir essa dificuldade de pronúncia (tente pronunciar “mas” ao pé da letra pra ver como é difícil e esquisito!) aparece a semivogal /i/ pra fazer essa ponte entre os sons. Não sou especialista em fonética/fonologia, mas já é uma hipótese que explica um pouquinho mais que uma determinação de regra ortográfica... E, vale lembrar, essa diferença entre “mas” e “mais” só aparece na escrita. É somente uma questão ortográfica, ou seja, ao ensiná-la, não estamos ensino português para os coleguinhas: estamos ensinando ortografia.

PS (2): “não pode-se”: a minha hipótese, como linguista, é que se trata de mais um dos casos corriqueiros do que chamamos “hipercorreção”, ou seja, a correção em excesso. Isso ocorre quando o falante sofre uma grande coerção do aparelho ideológico que a gramática normativa representa. Nesses casos, o falante tende a hipercorrigir seus enunciados, levando ao extremo até as exceções às regras. É o caso, por exemplo, em que se pronuncia “adevogado”, ao se entender que todo /i/ é um “erro” e que deveria ser trocado por /e/. Já que a ênclise é culturalmente, no português, vista como mais “chique” e mais “português” que a próclise, o povo acaba atropelando o fato de que algumas partículas exigem (na norma padrão do português culto na modalidade escrita) a próclise. Só falta aparecer gente falando “orobo” ao invés de “urubu”, já que o /u/ também costuma ser entendido como um “erro” de pronúncia... risos!

Textos de Sírio Possenti que são ótimos sobre essas questões:

Peço, por favor, que leia pelo menos o primeiro!

Jiquilin: Oi, JM,não é nada pessoal contra vc. Não fique bravo com a minha ironia. O que a gente combate é uma ideia, um pensamento e nunca uma pessoa, pq entendemos, como o Jef ja falou, que certas ideias estao condicionadas historicamente. Então é a ideia que combatemos. Eu acho otimo quando estas coisas acontecem pq vejo como uma oportunidade de nós, linguistas, falarmos da nossa área.

Jefferson Voss: Me senti (senti-me???) tentado a publicar só esse trechinho do livro Preconceito Linguístico, do Marcos Bagno, para que vocês fiquem com vontade de ler. Esse é o trecho que mais me arrepia e que aparece logo na introdução:
"Você sabe o que é um igapó? Na Amazônia, igapó é um trecho de mata inundada, uma grande poça de água estagnada às margens de um rio, sobretudo depois da cheia. Parece-me uma boa imagem para a gramática normativa. Enquanto a língua é um rio caudaloso, longo e largo, que nunca se detém em seu curso, a gramática
normativa é apenas um igapó, uma grande poça de água parada, um charco, um brejo, um terreno alagadiço, à margem da língua. Enquanto a água do rio/língua, por estar em movimento, se renova incessantemente, a água do igapó/gramática normativa envelhece e só se renovará quando vier a próxima cheia. Meu objetivo atualmente, junto com muitos outros linguistas e pesquisadores, é acelerar ao máximo essa próxima cheia..."
Ai, é maravilhosa essa metáfora!