Com a atual situação política anti-democrática pela qual o Paraguai está passando, o país foi excluído temporariamente do Mercosul. Isso tem um importante significado no giro do carrossel do (des)prestígio linguístico do guarani.
Este é um texto que fiz circular em 2007-2008 na Jornada de Jóvenes Investigadores de la AUGM, que teve lugar em San Lorenzo, Paraguai, e no I Encontro sobre Linguagem e Exclusão, em Campinas.
RESUMO: Este artigo compartilha de uma reflexão feita por Rajagopalan (2003) ao admitir que as identidades lingüísticas na atualidade estão muito comprometidas pelas influências estrangeiras, graças ao processo de globalização característico do mundo pós-moderno. Nesse sentido, faço uma ronda em torno do guarani paraguaio e discorro em que medida a identidade lingüístico-cultural paraguaia se manifesta numa relação de um Paraguai que está em contato com, pelo menos, os vizinhos do Mercosul. Levanto, por conseguinte, questões sobre o que significa a oficialização do idioma indígena como língua do bloco. É o guarani uma língua mercantilizada como o são o espanhol e o português na América do Sul? Qual o interesse acadêmico e até mesmo do senso comum em conhecer a cultura paraguaia para além dos estereótipos? Por que os órgãos oficiais, como as secretarias de cultura, interessam-se pela difusão das culturas sul-americanas? O Paraguai, declaradamente mestiço, é o país exótico do cone sul? E o prestígio da língua paraguaia, mestiça por conseqüência, tem relação direta com o (des)prestígio de poder político-econômico do país frente a globalização? Estas são algumas das questões esboçadas, nem sempre respondidas, no artigo que aqui se apresenta.
“...
as línguas não são meros instrumentos de comunicação,
como
costumam alardear os livros introdutórios.
As
línguas são a própria expressão das identidades de quem delas se apropria”
(RAJAGOPALAN,
2003, p. 69)
“A
língua é muito mais que um simples código ou um instumento de comunicação.
Ela é,
antes de qualquer outra coisa, uma das principais marcas de identidade de uma
nação, um povo.
Ela é
uma bandeira patriótica”
(RAJAGOPALAN,
2003, p.93)
Introdução
Durante a XXIII Reunião de Ministros
da Cultura, realizada no dia 21 de novembro de 2006, na cidade do Rio de
Janeiro, adotou-se o idioma guarani como uma das línguas oficiais do Mercosul:
Conscientes do relevante valor das línguas
no campo simbólico da cultura, os Ministros e Ministras declaram o Guarani como
língua oficial do MERCOSUL, assinalando o caráter emblemático dessa
consideração que remete à enorme riqueza e variedade das línguas dos povos
originários da região[1]
Embora a atitude seja louvável, ela
é tardia. Por que o guarani torna-se língua oficial apenas 15 anos depois da
assinatura do tratado de Assunção? A resposta pode parecer simples, mas ao
elucidá-la, podemos revelar toda uma relação de (des)prestígio não apenas
lingüístico, senão político-econômico da nação paraguaia e suas línguas, frente
às demais nações, línguas e dialetos do bloco.
Em termos de língua, o guarani é caracterizado por sua
oscilação em função do tempo quanto ao seu prestígio. Como se verá nos tópicos
seguintes, o fato histórico Mercosul é apenas mais um movimento de sobe e desce
desse carrossel em que o idioma indígena se encontra. Justamente por se tratar
de uma língua cuja história é repleta de descaso e sucesso, o guarani é ainda
uma língua viva e oficial de um país, visto que seus obstáculos são superados
com momentos de prestígio que acabaram por fortalecer momentaneamente a língua.
Breve
histórico do prestígio e desprestígio da língua guarani
O Paraguai foi um país que experimentou, assim como o
Brasil, a ação dos missionários durante a colonização. Em 1580 chegaram os
franciscanos e logo posteriormente os jesuítas. Estes últimos, sobretudo,
implementaram o sistema de reduções.
De maneira bastante resumida, a situação sócio-cultural
da colônia, segundo Melià (1992), podia ser simplificada em:
a)
las ciudades de españoles, donde, sin embargo, se hablaba guaraní, por
lo común.
b)
los pueblos de indios, al norte del río Tebicuary, regidos por
clérigos y franciscanos, donde el guaraní era también la lengua ordinaria.
c)
los pueblos de las Misiones jesuíticas, donde estaba creándose un
nuevo lenguaje y una nueva lengua (p. 33)
Tal estrutura permitiu
que o guarani gozasse de um longo período de prestígio – era a moeda básica de
troca entre todos os estamentos da colônia -,
praticamente o idioma desfrutou desse estatuto até a saída dos jesuítas do
território, no século XVIII. A permanência dos religiosos não apenas permitiu
que a voz indígena fosse a que prevalecesse no período colonial, como também
fez com que ela ecoasse até os dias de hoje, contribuindo em muito como reflexo
da formação histórico-social do país:
A realidade do guarani constitui uma
situação particular quando pensamos nas relações estabelecidas entre as noções
de civilização e cultura nos discursos sobre a história latino-americana. A civilização na América Latina – no sentido
de constituição de cidades (civitas) atuais a partir de modelos urbanos
europeus–, coincide com o apagamento das culturas locais, indígenas,
consideradas não civilizadas – no sentido de não-evoluídas (inferiores). Essa polissemia do termo civilização, tal
como mobilizado nos discursos da (sobre a) colonização, produz uma confluência
característica na compreensão dessa realidade cultural e urbana. Civilizado é ao mesmo tempo evoluído
(superior) e urbano, estando as culturas indígenas excluídas de ambos os
sentidos do termo. Isto é, as culturas
(línguas) indígenas, por serem consideradas não-civilizadas (primitivas,
inferiores), são excluídas da civilização (constituição de cidades).
Esse não parece ter sido o caso no Paraguai, onde o guarani
permanece até hoje não apenas como língua do campo (onde seu predomínio sobre o
espanhol é absoluto em todas as regiões do país), mas também como língua das
cidades e da capital, sendo sua presença muito evidente tanto nas conversas de
rua como nos meios de comunicação, tendo sido inclusive incluído, como
mencionado, no âmbito mais formal do discurso jurídico – administrativo, ao ter
sido instituído como língua de Estado (RODRÍGUEZ-ALCALÁ,
2002).
Podemos considerar
que o fato de o guarani ser praticado nos tempos dos jesuítas - um guarani que
não corresponde ao atual, mas que é sua fonte – esse ato foi o primeiro ápice –
o desencadeador - na metáfora do carrossel do prestígio lingüístico.
Melià[2]
relata que, inclusive, às vésperas da Proclamação da República, documentos eram
redigidos em idioma índio. “Cuando
el general Manuel Belgrano en 1810, en vísperas de la Independencia, dirigía
proclamas y cartas en guaraní a las autoridades del Paraguay y a su pueblo, lo
hacía a sabiendas de que ésta era su lengua propia” (p. 157).
A Independencia, em 1811, realizada pela “oligarquía
criolla terrateniente y militar”[3]
– nem 100 anos após a saída dos jesuítas em 1768 - elevou ainda mais o
prestígio do guarani. Tal período durou até 1840 – morte de Francia – e teve
seu cume durante o período de ditatura, 1814 -1840, instaurado pelo já
mencionado Gaspar Rodríguez de Francia. Melià[4]
alega que durante a ditadura o processo de banimento do castelhano se radicalizou:
Hechos como la supresión
del Real Colegio Seminario de San Carlos, en 1822, y la secularización de todas
las órdenes religiosas, afectaron muy directamente a las posibles élites
culturales. Se puede afirmar que a partir de la década de 1820-1830, solamente
es representativa del Paraguay la denominada gente rei, es decir, ‘el pueblo común’, según el análisis histórico
de R. E. Velázquez (1976). Los grupos sociales con capacidad e interés por
emplear la lengua castellana, como podía ser la burguesía comercial y la
oligarquía terrateniente, heredera de encomenderos y ‘comuneros - menos éstos que aquéllos – fueron reducidos
a callarse, cultural y políticamente (Granda, 1988: 544) - (p.
159)
Pouco se
sabe sobre a educação escolar no período de Francia (MELIÀ).
El alcance real que haya
podido tener la escuela en tiempos del doctor Francia es hasta hoy un asunto
mal conocido, que suscita opiniones encontradas. (...) Pero hacia 1834 el
Estado sólo sostenía a 150 maestros que enseñaban a unos 5000 alumnos. (…) Lo
que en estas escuelas se enseñaba era un curioso catecismo llamado ‘patrio
reformado’, cuyo texto, por lo menos tal como se ha conservado, estaba en
castellano (p. 165)
Melià faz
referência também a uma biblioteca de Francia (repleta de títulos castelhanos),
mas conclui que tais dados sobre o espanhol são mais anedóticos que efetivos no
que diz respeito à situação lingüística do Paraguai nessa época.
É somente após a
morte de Francia, e com ela o fim de sua ditadura, que se dá início ao processo
concreto de castelhanização do Paraguai. Seu sucessor e sobrinho, CarlosAntonio López, ficou conhecido, em se falando da língua e cultura guarani, por
“no haberse interesado por la cultura guaraní” (p. 166). Há relatos publicados
tanto por Melià (1992) quanto por Rubin (1968) de que inclusive a língua
guarani havia sido perseguida na escola durante o governo de Carlos Antonio
López.
Tal político também
ficou conhecido por conceder cidadania aos índios. Mas vale lembrar que tal
fato, do ponto de vista (político)lingüístico, pouco tem de glorioso, glória
que costuma ser exaltada em qualquer bibliografia sobre López (pai). Conceder a
cidadania aos índios não mais foi que uma tentativa de castelhanizar uma
cultura indígena. Em 1848, ele extinguia o regime de comunidades, o que desfez
as cidades dos índios e acabou com o uso dos sobrenomes guaranis (MELIÀ, 1992).
Castellanizada de
palabra, esta gente seguía tan guaraní como antes en la palabra. Ahora traían
un nombre español, habían dejado de ser ‘indios’, pero hablaban en guaraní. De
este modo un grupo considerable de indígenas, hablantes en guaraní, se
incorporaba a la masa de los ‘paraguayos’, con lo que se cerraba un proceso que
ya se había iniciado con fuerza cuando muchos guaraníes de las Misiones jesuíticas,
salidos de sus pueblos, habían pasado a las ciudades de españoles o se habían
conchabado como peones en las estancias (p. 167-168)
Da saída dos jesuitas (1768) até a morte de Carlos
Antonio López (1862), podemos encontrar uma oscilação completa de nosso
carrossel: um grande momento de prestígio seguido de outro de desprestígio. Mas
antes de mencionarmos o mundo da globalização atual e a oficialização do idioma
guarani no Mercosul, ainda teremos de dar pelo menos mais um giro em nosso
lúdico brinquedo.
No governo seguinte, o do filho de
Carlos Antonio, Francisco Solano López, talvez um dos nomes históricos mais
lembrado pelo povo paraguaio, o idioma guarani volta a ser idioma prestigiado.
A guerra contra a Tríplice Aliança –
Argentina, Brasil e Uruguai – transforma Solano López em herói nacional e a
língua guarani em característica de orgulho da nação paraguaia. O clichê de que
a língua pode funcionar como bandeira do país é exemplificado pelo caso
paraguaio mediante suas guerras.
La guerra
de 1864 e 1870 se nutrió con la sonora armonía del idioma autóctono. […] El
drama hondo y terrible, la tragedia singular de aquella época los sufrió, así,
el pueblo paraguayo, en guaraní. Era la lengua en que lloraban las mujeres de
la ‘residenta’ y en la que odiaban y peleaban los varones de nuestra tierra (CENTURION, 1947, apud MELIÀ,
1992)
O segundo giro se completa exatamente
no período posterior à guerra do Paraguai, finda em 1870, com nova perseguição
contra o guarani em favor da castelhanização.
A Argentina teve papel fundamental
nesse novo período, o país vizinho havia exterminado grande parte das culturas
de substrato e de lá provinha a ideologia de que o castelhano era o elemento
civilzador necessário para aplacar o uso do guarani. Melià arrola dados interessantes
sobre como o pensamento argentino se traduzia para a realidade paraguaia,
dentre eles, o fato de muitos dos professores do Paraguai pós-guerra terem
completado sua educação na Argentina e o fato de que as pessoas circulavam de
um país ao outro. Nesse intercâmbio, chegou ao Paraguai, em 1887, Domingo
Faustino Sarmiento, um político e educador famoso naquele período, segundo
Melià. Como bem resume Alcalá-Rodrigues na citação há pouco transcrita, o
elemento indígena está relacionado ao primitivo e não-civilizado (discurso
presente inclusive nos dias de hoje).
Uma vez que a intelectualidade
paraguaia, inserida no contexto mundial progressita, tomava para si a ideia de
que o guarani estava para o retrocesso e o castelhano para o progresso, a
escola, os jornais e os documentos oficiais se enchiam do discurso de repúdio
ao guarani.
Mas a guerra do Chaco (1932 a 1935),
de certa forma, ameniza, mas não interrompe, tal discurso. Mais uma vez o
guarani se transforma em motivo de orgulho e em estratégia de guerra.
Na segunda metade do século XX,
marcada pela ditatura de Stroessner (1954-1989), a história do (des)prestígio
guarani é ainda mais complexa e ambígua. Surgem órgãos de apoio ao guarani,
publicações, criação de revistas, decretos etc (MELIÀ, 1992).
La disposición legal más significativa de la época no deja de ser la que
consta en la Constitución de 1967, con su art. 5°: ‘Los idiomas nacionales de
la República son el guaraní y el español. Será de uso oficial el español’. Y en
su art. 92: ‘El Estado fomentará la cultura en todas sus manifestaciones.
Protegerá la lengua guaraní, y promoverá su enseñanza, evolución y
perfeccionamiento’ (MELIÀ, 173)
Quanto às mudanças educacionais, Melià
lembra que um conjunto de fatores possibilitou que se começasse a pensar pela
primeira vez num estudo mais sistemazidado do idioma. Em 1962, cria-se o
Instituto de Lingüística Guarani, em 1971 o Bacharelado em língua guarani. Três
anos depois surge também a cartilha “Ko’êñ” (Amanhecer), fruto de “experiencias
de educación alternativa en ‘escuelitas campesinas’” (p. 174). O alcance do
ensino do guarani só ganharia força depois da década de 1990, quando, de fato,
a escola incorpora a disciplina das línguas maternas, i.e. também o guarani, no
currículo obrigatório. Antes
disso, “la enseñaza sistematizada del guaraní tiene en el Paraguay una historia
de altibajos, que refleja tanto problemas propiamente pedagógicos como
indecisión y ambigüedad política” (p. 174)
Com a nova
Constituição de 1992, o guarani se torna língua oficial, como ressalta Melià (p.175):
De los idiomas
Artículo 140. El
Paraguay es un país pluricultural y bilingüe.
Son idiomas oficiales el
castellano y el guaraní.
La ley establecerá las
modalidades de utilización de uno y otro.
Las lenguas indígenas, así como
las de otras minorías, forman parte del patrimonio cultural de la Nación
A construção dos discursos
em torno do guarani
De modo bastante rápido, através da
resenha de Melià (1992), fizemos um apanhado histórico sobre o vai-e-vem do
guarani dançante no carrossel do (des)prestigio (sócio-econômico-político) lingüístico.
Vimos que a
oficialização do guarani como língua nacional[5] também foi tardia e se deu a custa de muitas
voltas e reviravoltas históricas. À medida que cada ciclo se completava
um novo discurso sobre o guarani surgia: em momentos de glória, o discurso que
predominava era o de orgulho[6]
– o guarani enquanto símbolo e bandeira do Paraguai. Em tempos de perseguição,
o guarani era acusado como o culpado pelo atraso paraguaio. Mas esse atraso
somente aparece depois da Guerra do Paraguai e que foi ocasionado, como bem
sabemos, pela destruição massiva do país. A mesma língua que fracassou no campo
de batalha na Grande Guerra foi vitoriosa na Guerra do Chaco.
Enfim, na confluência
desses dois principais discursos sobre o idioma guarani - um de orgulho e outro
de retrocesso – é que se encontra o Paraguai atual e a realidade com a qual se
depara o Mercosul.
O que significa o guarani
como língua oficial do Mercosul?
No Paraguai de hoje
tenta-se adotar uma planificação lingüística que valorize e proteja o idioma
guarani, como medida que reconhece o multiculturalismo da nação e assume o
passado histórico de formação do país. O guarani, juntamente com o castelhano,
é ensinado na escola para todos os níveis.
Dentre os países da América do Sul,
sobretudo os membros do Mercosul, nenhum tem uma situação como a paraguaia em
que a língua indígena se tornou língua majoritária. Nesses países predominou a
língua européia imposta e que substituiu as nativas – ou as trazidas da África
- (pelo menos em prestígio). O mesmo processo que impôs o latim à península
ibérica foi o que obrigou o falar português-espanhol, sobretudo, cá na América,
mais especificamente no cone sul-sul: o processo da expansão territorial. A
globalização, tal qual nos moldes atuais, começada em tempos romanos e
modificada na história transformou línguas em mercadorias. E no Mercosul o
estado da arte não é diferente, a mercantilização das línguas, tal como
menciona Rajagopalan (2004), faz do espanhol uma boa pedida para os brasileiros
e do português o diferencial dentre aqueles que têm como língua materna o
espanhol.
O ensino de língua portuguesa e
espanhola como línguas estrangeiras é crescente no Mercosul. Mas esse processo
ainda não atingiu o guarani. Cursos de guarani como língua estrangeira não são
anunciados em outdoors no Brasil, na
Argentina ou no Uruguai, nem existem escolas especializadas, fora do Paraguai,
para ensinar o idioma. Por que as pessoas não se interessam em aprender o
idioma guarani, já que é ele “tão” oficial “quanto” o português e o espanhol?
Aliás, qual o real interesse do senso comum na cultura paraguaia? No Brasil,
sustenta-se o mito de que a terra é apenas lugar de falsificação e muambas.
O guarani, penso,
como língua oficial do Mercosul, às vezes, não passa de um ato alegórico na
tentativa de minimizar a perseguição e massacre indígena que foi recorrente em
toda a história da América Latina, como bem vimos
exemplificada na resenha acima.
Enquanto produto,
o guarani não é interessante e não convém vendê-lo para além das fronteiras
guarani. A que esse desinteresse se deve? Ao fato de que no Paraguai há a
língua espanhola que supre muito bem essa comunicação com as demais nações do
bloco? Ou ao desinteresse mesmo pela cultura do país?
Esperamos manifestamente que as
decisões e propostas presentes na ata da XXIII Reunião de Ministros da Cultura
do Mercosul, mesma reunião que oficializou o guarani como idioma do bloco,
sejam postas em prática.
O discurso oficial agora com que
depara aqueles discursos formadores da nação paraguaia, sobre o qual falamos no
tópico anterior, é oposto à crença de que a cultura nativa é inferior:
Os Ministros, Ministras e as Autoridades
Máximas presentes à reunião:
Consciente das forças das expressões
simbólicas de suas culturas;
Convictos de que, para a construção de uma
cultura de paz da qual sejam beneficiados todos os povos, é necessário proteger
e promover a diversidade cultural;
Desejosos de que a Cultura seja reconhecida como força propulsora do desenvolvimento,
devendo estar entre as preocupações centrais das agendas do Governo de seus
países, tal como estabelecida na Declaração Universal dos Direitos do Homem e
do Cidadão, de 1948;
Sabedores de que o papel do Estado é criar
condições para que a sociedade seja protagonista e beneficiária dos processos
culturais, de modo a usufruir da qualidade de vida desejada por todos e lograr
a plena realização de suas potencialidades humanas;
Receberam (...)[7]
(Grifos
meus)
Os
Ministros(as) “concordam que é necessário conhecer as características do setor
cultural em cada país”, “manifestam a importância de incentivar o intercâmbio
de experiências das pessoas ligadas a área cultural, bem como de bens, serviços
e conteúdos culturais” e “congratulam o Paraguai por ter aprovado a Ley Nacional de Cultura nº 3051[8],
que cria a Secretaria Nacional de Cultura como órgão de nível ministerial”[9]
Esperamos que o
Paraguai, com tal Lei, contribua na divulgação de sua própria cultura e que a
Secretaria não seja apenas mais um órgão público caracterizado pelo comodismo.
Esperamos das demais nações o (re)conhecimento de uma cultura de que a história
muitas vezes é compartilhada.
Mas sabemos que a
esperança não deve se projetar apenas sobre as instâncias oficiais do bloco,
deve-se ter em consideração que a visão do senso comum é um construto que leva
gerações para ser modificada e que talvez nunca se modificará.
Diante
de tudo que foi discutido, ainda resta uma dúvida: a oficialização do guarani
como língua do Mercosul é um fato de que devemos nos honrar? Afinal ela coroa a
desigualdade lingüístico-cultural do Paraguai frente seus aliados.
Referências Bibliográficas
DECLARAÇÃO SOBRE A INTEGRAÇÃO CULTURAL NO MERCOSUL publicado em 24/11/2006. Acessível em: http://www.cultura.gov.br/mercosur/?p=57
LEI NACIONAL DE CULTURA Nº 3051. http://www.cultura.gov.br/mercosur/wp-content/uploads/2007/05/paraguay_ley_nacional_cultura.pdf (Último acesso 25/07/2008)
MELIÀ, B. La lengua guarani del Paraguay: historia, sociedad y literatura. Madri: Mapfre, 1992
RAJAGOPALAN, K. Línguas
nacionais como bandeiras patrióticas, ou a lingüística que nos deixou na mão:
observando mais de perto o chauvinismo lingüístico presente no Brasil. In:
LOPES DA SILVA, F., RAJAGOPALAN, K. (orgs.) A lingüística que nos faz
falhar: investigação crítica. São Paulo: Parábola, 2004.
RODRÍGUEZ-ALCALÁ, C. O sentido
público no espaço urbano: a questão da língua. 2002. Disponível em: http://www.unicamp.br/iel/hil/publica/relatos_07.html (Último acesso: 25/07/2008)
RUBIN, J. National Bilingualism in Paraguay. Haia: Mouton, 1968.
[1] DECLARAÇÃO SOBRE A INTEGRAÇÃO CULTURAL NO MERCOSUL
publicado em 24/11/2006. Acessível
em: http://www.cultura.gov.br/mercosur/?p=57
[2] op. cit.
[3] op. cit.
[4] op. cit.
[5] E sobre o assunto muito bem disserta Zuccolillo (2000)
[6] Rubin (1968). National
Bilingualism in Paraguay
[7] Ata da XXIII RMC. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/mercosur/wp-content/uploads/2007/05/ataxxiiireuniaodosministrosdomercosul.pdf
(25/07/2008)
[8] Para saber mais sobre a lei, ver: http://www.cultura.gov.br/mercosur/wp-content/uploads/2007/05/paraguay_ley_nacional_cultura.pdf (25/07/2008)
[9] Ver nota 7
Nenhum comentário:
Postar um comentário