![]() |
A América do Sul segundo os EUA |
Na semana passada vi circular pela internet alguns mapas sobre os estereótipos mundiais, segundo a visão de determinados grupos. E isso me levou às seguintes perguntas:
Você acha que os estereótipos se dão por acaso?
Por que as loiras são chamadas de burras? Por que acreditamos que brasileiro é alegre? Por que achamos que a África é miserável? Por que pensamos que o japonês só trabalha? Por que cremos que o alemão só come salsicha? Por que os mexicanos são conhecidos por serem só comedores de pimenta? Por que será que imaginamos um ianque vestindo camisas coloridas? Por que lusitano é sinônimo de estupidez? E por que dizemos que as coisas paraguaias não prestam?
Antes de responder estas questões, (as quais acredito nem precisarem de respostas) vamos nos lembrar que a constituição do estereótipo obriga a existência de duas partes: o estereotipizado (a coisa/pessoa a ser estereotipizada) e o estereotipizador (isto é: aquele que cria o estereótipo).
Sobre a coisa/pessoa a ser estereotipizada não falarei muito, acho que Chimamanda deu muito bem conta do recado: o estereótipo não é de todo equívoco, é que ele não trata seu objeto em completude. Se você viu o vídeo com calma, vai perceber que algumas das idéias de nossa colega nigeriana ainda vão aparecer por aqui. Falei também um pouco sobre estereótipos aqui.
Em muitos casos, o estereotipizado é visto a partir de suas qualidades (brasileiro = alegria / japonês = trabalho [porque trabalhar em nossa sociedade é visto como uma coisa positiva]).
Mas, na sua imensa maioria, o estereotipizado é tratado por um estigma (loira = MULHER burra / África = miséria etc).
E quero dar atenção a este ponto: quem cria este estigma?
Quem cria o estereótipo? Vamos olhar de perto o outro lado da moeda.
No caso dos estereótipos originários de estigmas, há sempre um grupo dominador (ou que se crê superior) exercendo seu poder sobre outro. O estigma ganha um nome e este nome é ressignificado neste novo contexto de injúria.
Os antigos já faziam isso, e é fácil falar sobre eles porque há muita documentação, já que, como disse a nigeriana, dos vencedores sempre haverá muitas histórias.
Se um romano possuísse alguma característica física fora do padrão esperado, logo, esta “deformidade” se transformava no nome do sujeito:
Cícero, por exemplo, é um desses nomes, vem do latim Cicerone “grão de bico”. Tratava-se de uma verruga que o avô de Cícero, o famoso orador romano, tinha no nariz. Pronto. Bastou para que toda a sua descendência herdasse a característica.
Mas não era só com os famosos. Nomes como Paulo (do latim Paulus) significava em sua origem algo como “nanico, tampinha”, dado aos sujeitos de baixa estatura ou Cláudio (de Claudius) que significou “coxo, manco”, apelido dado a quem tinha essa deficiência.
Faz algum tempo que aprendemos a dominar e a acreditar que os outros podem ser nossas propriedades (lembrem-se de todos os momentos de escravidão na história da humanidade). Dar um nome injurioso ao outro não é somente uma forma de ofendê-lo, senão de dizer-lhe que aquele corpo (ou porção de terra) fora do padrão não é dele. É uma forma de dizer que há apenas uma maneira correta de felicidade, aquela que segue o padrão de beleza, sucesso financeiro e profissional, e que coincidentemente é a maneira de viver daquele que comete a injúria. O estereótipo estigmatizante nada mais é que uma intolerância com as diferenças, além de um pleno exercício de dominação.
No caso de uma nação, o estereótipo estigmatizante jamais irá coincidir com a identidade nacional daquele povo (até porque a identificação nacional é uma coisa muito mais complexa do que imaginamos). Você acha que um africano tem orgulho de sua miséria? Você acha que um argentino pensa que ele é metido?
![]() |
As bandeira do Paraguai e do Uruguai estão invertidas |
Na ilustração que abre este texto, você acha que o Equador e o Panamá se identificam com o título de “república das bananas”? Ou a Colômbia como a “Cocaína dos EUA”? Ou o Peru como "o lugar que fornece as putas dos americanos"?
Fica evidente como a mentalidade norte-americana de que a América Latina ainda é seu quintal é verdadeira. E toda aquela ideia de posse aparece naquele mapa acima. Através de um nome eu te digo qual é o seu lugar. Eu te digo que você não é você. Eu te digo quem manda aqui!
Mas se você me contrariar, e eu não puder ser seu dono, vou te taxar de outra forma: Brasil, comunistas liberais (será que isso tem a ver com o fato de Lula, do PT, ter boas relações diplomáticas com o Irã?). Paraguai, socialistas católicos (será que isso tem a ver com o fato de Lugo, aliado dos partidos de esquerda, ser um ex-bispo?)
Nós, os brasileiros, tampouco estamos isentos de ser imperialistas. Também fazemos isso com nossos vizinhos. Também fazemos isso com o Paraguai.
O que significa dizer, em língua portuguesa do Brasil, que tal coisa é paraguaia? O que queremos dizer quando dizemos:
Um computador paraguaio? Um cd paraguaio? Um eletrodoméstico paraguaio?
Nota dicionarística: morfologicamente, a palavra funciona como um adjetivo pátrio (comida paraguaia), mas também, por substantivação deste, ela poderá ser um substantivo (A paraguaia é bela).
Todavia, como venho dizendo, o uso pelos falantes e o registro no dicionário nem sempre coincidem.
O vocábulo nas últimas décadas ganhou um novo sentido. E no que diz respeito a este novo sentido, aposto que você caiu na risada quando escrevi: “original do Paraguai”.
“Paraguaia, paraguaio, do Paraguai” é sinônimo de “falso, não verdadeiro, contrabandeado, que ou aquilo que não presta, de pouca duração, de pouco valor”.

Ali os dois sentidos, o novo e o velho, estão funcionando lado a lado. O primeiro “paraguaia” é um substantivo a que o segundo “paraguaia” qualifica.
O sentido pejorativo ainda não passou para a forma substantivada. Pelo menos, quando alguém me diz “Paraguaio, vem aqui!” não interpreto assim “Falso, vem aqui”.
Em espanhol, a depender do país, o adjetivo “paraguaya, paraguayo” (a forma feminina tampouco aparece registrada no dicionário espanhol, somente há uma remissão ao feminino), para além de adjetivo pátrio, não significa algo pejorativo.

Na Bolívia e em Cuba, parece que a palavra também tem um significado próprio.

No Paraguai, não se diz “hamaca paraguaya” obviamente. Neste país, existe uma palavra formada a partir do seu diminutivo: “paraguayito”. Dizer que fulano é “paraguayito” equivale a dizer que fulano é um espertinho e que sabe dar um jeitinho (coincidência com o “jeitinho brasileiro”, não?).
Notem como a forma pejorativa do adjetivo é coisa bem brasileira.
É que o sentido pejorativo tem origem em um estereótipo feito pelos tupiniquins. A partir de uma situação dada, a de compras, e um lugar específico, uma ou duas fronteiras, os brasileiros generalizaram a característica para todo o território do país vizinho.
A zona franca de Ciudad del Este, e mais recentemente a de Pedro Juan Caballero, realmente possibilita e incentiva a entrada de produtos muito baratos e a preços inferiores no Brasil. Além de não corresponder a todo o território nacional, as zonas referidas têm muito pouco de Paraguai. A imensa maioria dos comerciantes são coreanos, chineses, turcos, árabes em geral. A minoria deles são brasileiros e paraguaios. Os produtos comercializados nenhum é fabricado no Paraguai. E os sacoleiros são todos brasileiros. Então, por que raios os brasileiros dizem “paraguaio” para as coisas falsas? Porque e tão somente porque é o Paraguai, vítima de sua pobreza, que empresta o território a este tipo de comércio.
Identidade é aquilo com o que queremos ser reconhecidos. E qual é a identidade nacional paraguaia? É esta a identidade com a qual os paraguaios se identificam?
Claro que não.
De uma maneira muito, mas muito simplificada, posso afirmar que o povo paraguaio se reconhece pela mestiçagem guarani com a branca, pelo uso da língua guarani, pelos hábitos alimentares como a sopa paraguaia, o bori bori, a chipa, o puchero, muita carne e muita mandioca etc etc. pelo tereré e pelo mate; na dança, pela polca e pela guarânia (entre muitas outras coisas). A identidade paraguaia se associa pelo próprio orgulho de sua identidade, facilmente comprovado por uma simples publicidade de cerveja, cujo slogan é “ñande mba’e teete” (o que é nosso).
Disso, aposto que a maioria dos brasileiros não sabe!
![]() |
Foto do meu acervo familiar. Minha prima Dolly, dançando a polca executada por meu pai e meus tios. |
Além de revelar a profunda ignorância de um brasileiro, quando este faz uso de “paraguaio” num sentido depreciativo, revela que o Brasil é também imperialista. Ao dizer que o Paraguai não presta, o Brasil diz que o país guarani é sua propriedade, diz que a fronteira é seu lugar de compra. Do mesmo jeito que os norte-americanos dizem que o Peru é local fornecedor de puta DELES. (Veja no mapa: “Our bitches”).
Dar nome aos outros sempre foi uma maneira de dominar. As comunidades indígenas que o digam. Quase nenhuma sociedade indígena é chamada pelo nome que ela mesma se dá. Sempre é uma visão de fora que prevalece, seja de uma tribo inimiga, seja dos brancos (que no fundo não seria mais que outra tribo inimiga).
O Paraguai já está acostumado com este tipo de dominação. Desde a chegada dos espanhóis, à redução dos padres jesuítas, à Guerra do Chaco e à Guerra da Tríplice Aliança, os nomes sempre vieram de fora.
O que o brasileiro faz atualmente é exatamente repetir a opressão, do qual também ele é vítima (veja a nossa colonização e veja a neocolonização americana).
No entanto, a forma como o Brasil estereotipiza o Paraguai é ainda mais perversa, pois os brasileiros se apossam de um nome já existente e provocam uma mudança semântica. Renomeamos e ressignificamos um nome que já existe. Dissecamos a identidade nacional paraguaia, presente em seu adjetivo pátrio, e lhe atribuímos uma carga injuriosa.
A língua não está tão distante assim da gente. Ela só existe, porque as pessoas existem. E agora eu te pergunto: você, praticante do português brasileiro, vai continuar avalizando o uso dominador de expressões colonizadoras? Quer continuar repetindo a opressão a qual você abomina?
Pensem bem, não se trata apenas de uma atitude politicamente correta.