quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

A semântica já morreu


Já ouvi e li por aí milhares de vezes que o critério para que uma palavra exista é seu registro no dicionário. Para estas pessoas, as palavras existem apenas se está registrada no dicionário.
Muito mais do que uma questão de inteligência, é uma questão de bom senso. Por isso, não preciso nem me prolongar muito em advogar o contrário.
Até porque, volta e meia tocamos nesse assunto aqui no blog. Lembram da época da campanha, em que um político da oposição (contra Dilma, claro) afirmou que a palavra Calhordice não existia?
Acontece que os reacionários têm dificuldade em lidar com a mudança (que redundante) linguística (melhorou). Nesse caso, posso apenas dizer um “sinto muito” aos senhores coronéis. Os estudos da linguagem, desde sua era mais remota, já se deram conta de que a língua é pura variação, logo, é pura mudança. Na sincronia percebemos a variação e na diacronia percebemos a mudança.
Isso vem nos mostrar que o tempo é mágico. Realmente as pessoas, suas sociedades e suas línguas mudam conforme a história se desenrola. E isso é o bê-a-ba da Linguistíca.
Então, amiguinho reaça, não adianta espernear, pois, mesmo que você não queira, as coisas vão mudar!
O pior de tudo é quando os intelectuais reacionários resolvem falar sobre linguagem. Pior é se ele não for um lingüista ou um filósofo, muito facilmente falará bobeiras sobre as línguas. E bem pior é se eles os são e continuam a falar besteiras.
Considero uma situação pior por vários motivos, dos quais enumero alguns:

i)                    Porque tiveram a oportunidade de estudar, portanto, tiveram acesso à educação;
ii)                   Porque os intelectuais têm autoridade intelectual, ou seja, suas idéias farão sentido em muitos lugares. Assim, além de proporcionar o próprio estrago, vão estragar a vida dos outros.
iii)                 Em muitos campos do saber, são esses reaças que respaldam o discurso científico

Um engenheiro tem mais valor que um lingüista, porque, como diria uma amiga minha: “descobrir uma língua, um fonema ainda não registrado ou um sistema morfológico complexo não é como descobrir petróleo”.
A lógica mercadológica infelizmente investe de poder o discurso científico.
Então, não me preocupo tanto quando a própria asneira vem de outro "linguista". Seu tonto, você também não vale nada! No mercado, seu valor é bem relativo.
Mas eu não gosto nada quando esses lingüistas usam da sua artimanha e do instrumental “científico” para manipular a opinião pública.
Acho super injusto que um lingüista inteligente, como esse amigo, tome os termos e jargões da Linguistica para fazer análises tão equivocadas ou para fazer análises tão supérfluas como neste caso de Presidento
Só com este exemplo, fica claro que o sujeito não fez muitas leituras lingüísticas, pelo menos, não as basilares. Fica claro que o rigor da análise é bem frouxo. Grandes lingüistas como Sírio, destramente compreendeu o fenômeno. Eu mesmo, um pequeno lingüista, divulguei bastante sobre o tema. Até quem não é lingüista, como a Lola, fez uma análise melhor.
Pô, moço, conservadorismo demais está te fazendo ser um péssimo profissional.
Mas o que realmente ficou feio foi um texto que falava contra o relativismo, citado em seu blog. O lingüista usou um texto de Alexandre Magno Aguiar (ou seria melhor Dr. Alexandre Magno Aguiar), retirado do Instituto Millenium. Eis o texto postado no blog do linguista. Eis o texto original, saído no Instituo Millenium.
E foi lá na página do Instituto Millenium que descobri quem era o  tal Dr., a autoridade citada no blog do linguista. Veja seu currículo.
Como vocês podem perceber, ele é um adevogado falando de língua. Que coisa linda, o pequeno poder subiu à cabeça.
Vamos dar uma pinçada sobre este texto. Em itálico o texto do Dr., seguido de alguns comentários meus.

No debate político brasileiro, a primeira vítima costuma ser a semântica.

Como vcs podem perceber lá no original, no texto publicado originalmente no I. Millenium, o seu Aguiar não dá o link para a palavra "Semântica". Então, o linguistinha, ao citar o original, faz o vínculo do verberte ao seu significado da Wikipedia. Acho que o linguista compreendeu que o Doutô não havia entendido mesmo o que era "semântica". Citar a Wiki é da hora, pelo menos a gente confirma o rigor do negócio: é que a Wiki é a fonte da maior parte dos pseudos.
Dizer que uma parte da gramática (acho que ele também não sabe o que gramática) é vítima do uso é super comum nos discursos conservadores. Tadinha da semântica, será que com tantas mudanças do latim ao português, ela ainda está viva?

As palavras passam a ser utilizadas em contextos completamente diversos daqueles em que surgiram.

A lá, num falei que eles são estritos militares. Será que ele conhece a etimologia de “greve”? Então dá uma olhadinha aqui na Wikipedia. O link está aqui: http://pt.wikipedia.org/wiki/Greve Você vai entender!
Mas greve é coisa de vagabundo, né? Os vagabundos vão acabar com a língua! É uma pena que a gente tenha de compartilhar o mesmo idioma. Podia ser um para cada pessoa, não acha?

Novos significados são acoplados a um termo para que pareça ser mais defensável ou até mais “atacável”.

O medo é do novo! O novo é criticável!

 Em casos extremos, as palavras perdem todos os seus sentidos concretos, passando a designar um “oceano de significados”.

Sentido concreto? Do que você ta falando?
Vamos cantar, vai: você deságua em mim, eu OCEANO.

Exemplo nítido disso é a conhecidíssima “justiça”, que parece ter um conceito diferente em cada boca que a pronuncia.

Nossa, agora ele desistiu da idéia de uma língua para cada um!

Outras palavras receberam cargas de ataques tão poderosos que deixaram de ter, para a população em geral, qualquer sentido próprio, tornando-se apenas rótulos odiosos prontos para serem utilizados em ataques retóricos contra os adversários ideológicos.

Olha a incoerência: se as palavras tornaram-se rótulos odiosos, como elas podem deixar de ter QUALQUER sentido próprio? Isso não é lingüística, isso é lógica!
Morro de dó da população em geral!

Um caso contundente dessa degradação semântica é o termo "elite”, que deixou de significar um grupo de pessoas que, em determinada área de atuação, conquistaram um nível de excelência para, em contornos totalmente retóricos, significar um grupo de sanguessugas que conquistaram o poder no País por meio de pilhagem e, por isso, devem ser severamente combatidos

Acho que vou pular essa parte. Ela fala por si só. Será que ele é da elite?

Outros termos que foram vítimas da degradação semântica são “conservador” e “conservadorismo”.

Se a semântica estiver realmente morta, é agora que ela está se remexendo na cova.

Destacados de suas raízes anglo-saxônicas e utilizados a esmo em um País que não tem nenhuma tradição conservadora, passaram a referir-se, no discurso político, àquelas pessoas que simplesmente desejam manter o status quo, qualquer que seja ele.

A raiz anglo-saxônica é a melhor! Viva os anglos! Viva os saxões! Peraí: o Brasil não tem tradição conservadora? Vai ver que não tenha mesmo, já que a nossa tradição não é como a dos EUA. É que lá eles respeitam as raízes anglo-saxônicas!
Alô, mais atenção à realidade brasileira. Vá estudar o Brasil Império pra você ver se esse País não teve tradição conservadora. Se o liberalismo, o abolicionismo e a República venceram foi porque teve de lutar contra essa tradição espúria! (Ou alinhar-se a nova ideologia inglesa). Essas informações estão todas na Wiki.

Assim, “conservador” seria sinônimo de reacionário, tradicionalista, preconceituoso e avesso a riscos. Fala-se em “investidor conservador” (aquele que prefere renda fixa a ações), “política econômica conservadora” (referência comum à atuação do Banco Central) e até em “congresso conservador” (a despeito de não haver nenhum parlamentar no Brasil que se enquadre nessa categoria).

 E não é? Por que será que o USO determina o sentido?

O resto do artigo se dedica a explicar o significado real, verdadeiro, puro de “conservador”. No final, verão que as voltas são circulares. Mas não vou me prolongar. Sugiro que leiam e tirem suas próprias conclusões.

Fiquei com vergonha alheia do meu colega de profissão que teve a coragem de postar tamanha baboseira em seu blog.
Fico extremamente indignado com os comentários aos posts. Há uma vasta multidão que concorda com tudo isso. A igreja do professor Pasquale anda muito visitada!

Desse jeito, minha gente, vamos ter de parar de usar o sentido figurado. Abaixo a poesia, morte a poesia! Viva o sentido literal de tudo. Que o Brasil caia em nossas cabeças

6 comentários:

  1. Não encontrei direito os links... O do adevogado do Instituto Millenium taí? Eu já vi essa discussão sobre o "verdadeiro significado da palavra conservador" (e tb da palavra elite) em vários blogs de direita. Acho até que é uma espécie de batizado de sangue escrever um texto sobre o que é REALMENTE "conservador" pra ser aceito ao clube. E sobre o Pasquale... Bem, na época que eu lia a Folha eu já o achava o fim. Mas aí, um dia, totalmente sem querer, enquanto o maridão zapeava a TV, fomos parar na TV Cultura e o famoso linguista tava analisando Águas de Março. E deu tanta vergonha alheia, viu? Agora nem lembro o que ele falou, só lembro que eu e o maridão nos entreolhamos e começamos a rir. Mas é interessante como os conservadores são hiper conservadores com a língua tb. Não que as pessoas mais arejadas não possam ser conservadoras com a língua, mas acho que um pré-requisito pra ser conservador é ditar regras sobre como se deve usar a língua. E vale sempre o que tá no dicionário, claro!

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  2. ehehe..
    Serio q os links tao quebrados? Vou arrumar.
    Então, o Pasquale não é bem um linguista. Ele é gramático (das normativas).
    Os linguistas odeiam ele.. esse eh um dos consensos na linguistica... kkkkk

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  3. o problema não é quando pessoas sem formação em linguística, falam sobre a linguagem, já que qualquer um pode falar. Mas a questão é quando pessoas sem sensibilidade para o novo, com o pensar ultrapassado, tomam o posto de arauto.
    Não é à toa que o Direito enfrenta um processo semelhante ao que se passa nas outras áreas das Humanas. Não cabe mais em pleno século XXI uma escolástica platonista.
    Sendo claro, na literatura legal, a palavra colo ainda é interpretada como pescoço (lat.: collum, -i)!
    Absurdo?! Acho que sim ...

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  4. Nossa Diego... será que um dia a gente ganha essa guerra??? To tão cansada de ter que provar pra todo mundo que um LINGUISTA sabe mais sobre a língua do que advogados, engenheiros, médicos, pasquales!!!!
    Já sei acho que vou criar um blog e começar a escrever sobre Direito, Tecnologia, Saúde... aí quem sabe alguem acredita em mim!!

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  5. Essa é a única certeza da linguística, Lola Aronich: o Pasquale é fraco.

    =P


    (para os que não gingam: isso foi uma brincadeira!)

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  6. Na verdade, o Pasquale nem gramático é. Ele é só um professor de gramática.

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