terça-feira, 11 de dezembro de 2012

A ignorância: uma saudade distante

No post de hoje, trago uma tradução de uma indicação de leitura feita por uma amiga paraguaia, a Madeleine, que pode ser visitada aqui no seu lindo blog Melancoholia.

Made, como costumo chamá-la carinhosamente, nos recomenda nada mais nada menos que o escritor tcheco Millan Kundera em sua recente obra de 2000 intitulada "A Ignorancia".

Eis suas impressões, uma breve sinopse e uma linda passagem em que o autor fala sobre a palavra "saudade" em algumas línguas. É interessante notar que este livro desmascara o mito de que "saudade" só existe em português.

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O eixo central deste breve romance é a "saudade", mas não qualquer saudade, mas sim a que sente aquele que se vê forçado a emigrar por motivos, dentro outros, políticos. A saudade dada aos anos que se passaram e ao confronto do período vivido fora com o período da vida das pessoas que ficaram na pátria. Confronto do que é, do que foi e do que pudesse ter sido em outras circunstâncias. Dentro de uma reflexão filosófica costumeira nos livros que li de Kundera, a comparação desta saudade dos personagens com a saudade de Ulisses e seu regresso a casa, assim como a análise linguística do termo em vários idiomas foi o que mais me cativou deste pequeno livro muito mais recomendável. 
Sinopse da  edição:
Uma mulher e um homem se encontram por casualidade quando ambos realizavam a viagem de retorno ao país do qual haviam emigrado 20 anos atrás. Poderão empreender novamente uma curiosa historia de amor iniciada na então terra natal? Acontece que, depois de tão longa ausência, suas lembranças não se assemelham. Porque nossa memória,  a pobre, o que pode fazer? Só é capaz de reter do passado uma miserável pequena parcela sem que ninguém saiba por que precisamente essa e não outra? Vivemos mergulhados num imenso esquecimento, e não queremos saber dele. Somente aqueles que, como Ulisses, voltam depois de vinte anos a sua Ctaca natal podem ver de perto, atônitos e deslumbrados, à deusa da ignorância.


Recorte:


Em grego, "retorno" se diz nóstos. Álgos significa "sofrimento". A nostalgia é portanto o sofrimento causado pelo desejo irrealizado de retornar. Para esta noção fundamental, a maior parte dos europeus pode utilizar uma palavra de origem grega (nostalgia) e, além disso, outras palavras com raízes na sua língua nacional: "añoranza", dizem os espanhóis; "saudade", dizem os portugueses. Em cada língua, estas palavras possuem um matiz semântico diferente. Muitas vezes significam apenas a tristeza causada pela impossibilidade do regresso ao país. Recordação dolorosa do país (Morriña del terruño). Recordação dolorosa do lugar (Morriña del hogar). O que, em inglês, se diz: homesickness. Ou em alemão: Heimweh. Em holandês: heimwee. Mas trata-se de uma redução espacial da grande noção. Uma das mais antigas línguas europeias, o islandês, distingue bem os dois termos: söknudur, nostalgia no sentido geral; e heimfra: recordação dolorosa do país. Os checos, a par da palavra nostalgie vinda do grego, têm para a noção o seu próprio substantivo, stesk, e o seu próprio verbo; a mais comovente expressão de amor checa: styska se mi po tobe: "tenho nostalgia de ti"; "não posso suportar a dor da tua ausência". Em espanhol, añoranza vem do verbo añorar (ter nostalgia), que vem do catalão enyorar, derivado, por seu turno, da palavra latina ignorare (ignorar). A esta luz etimológica, a nostalgia aparece como o sofrimento da ignorância. Tu estás longe, e eu não sei o que te acontece. O meu país está longe, e não sei o que se passa lá. Certas línguas têm algumas dificuldades com a nostalgia: os franceses só pode exprimi-la por meio do substantivo de origem grega e não têm o verbo para ela; podem dizer je m´ennuie de toi, mas o verbo s´ennuyer é fraco, frio e seja como for demasiado ligeiro para um sentimento tão grave. Os alemães raramente utilizam a palavra "nostalgia" na sua forma grega e preferem dizer Sehnsucht: desejo do que está ausente; mas Sehnsucht pode visar de igual modo tanto o que foi como o que nunca foi (uma nova aventura), e, por isso, não implica necessariamente a ideia de um nóstos; para se incluir na Sehnsucht a obsessão do regresso, seria preciso acrescentar um complemento: Sehnsucht nach der Vergangenheit, nach der verlorenem Kindheit,  ou nach der resten Liebe (desejo do passado, da infância perdida, do primeiro amor).